[Estrofe 1]
O sol da minha cidade me fez forte, resistente e tão cego quanto o meu pai
Governador Valadares, a quinta cidade mais violenta do país para jovens, serviu de berço para mim e também para Eike Batista
Desde pequenos os sortudos recebem só uma lição: sair de lá o mais rápido possível
Enquanto uns vão pra Europa, outros vão pra Belo Horizonte ou São Paulo ou outra cidade qualquer
A verdade é que o relógio do homem moderno não para nunca
Não é nenhuma novidade o fato de termos pressa
Pressa de vencer e pressa de morrer
O asfalto deixa a gente com pressa
A gente nasce do asfalto e vive do asfalto até morrer
Bem, pelo menos uma boa parte de nós
[Estrofe 2]
Enquanto isso a cidade vai matando a gente
Pelo menos eu sei que essa cidade tá me matando
Mas eu sei também que essa é a cidade que eu mereço agora
Não adianta eu me enganar
Não sou bom o suficiente pra morar em outra cidade
Embora se houvesse uma competição entre eu e Márcio Lacerda pra ver quem dá mais a mínima presse lugar...
Ía rolar uma briga feia
[Estrofe 3]
Mas não me entendam mal
Eu não dou a mínima pra política
Enquanto meus amigos se frustram com o que acontece na prefeitura ou no planalto, quando o sol nasce a contruibuição milionária de todos os erros continua resultando na nossa própria experiência de vida
Mas eu sei que essas são as pessoas que vivem bem
As pessoas que assistem a um show de instrumental ou a um show de rap ou a um show de samba e voltam para casa satisfeitas
Mas eu não consigo ser assim
Eu não nasci pra ser assim
Eu não quero ser brasileiro, eu não quero cantar em inglês, eu não quero tocar instrumental, eu não quero fazer a nova mpb, eu não quero fazer rap, eu não quero que a nossa banda se torne uma empresa
Eu não quero ir pra europa, eu não quero ir pros estados unidos
Eu não quero dinheiro demais, eu não quero nada disso
Eu não vejo sentido em nada disso
E eu sei que não sou só eu tentando vencer aqui nessa porra
Eu sei
[Estrofe 4]
É por causa disso que meus inimigos me odeiam e meus amigos me amam
Quando os bares fecham a gente dá um jeito e arranja um outro lugar pra ir e encher a cara
Essa é a única hora que o relógio pára
Com 23 anos é assim
E aí acabamos fazendo piada de tudo porque tudo vira uma piada
E criamos teorias e músicas e frases
Todas essas coisas que serão esquecidas amanhã, mas que vão existir pra sempre
Nos tempos da internet o passado é eterno
E, cara, a gente já viu tanta coisa e já viveu tanta coisa...
Por isso que a gente precisa falar o que quer na hora que quer
Por isso que a gente lança essas músicas, véi
Se eu morresse amanhã, tudo isso morreria comigo
Todas as histórias e teorias e frases fajutas de lágrimas na chuva
Eu já disse uma vez que às vezes é preciso gritar, tocar alto, quebrar coisas
Eu sei
Mas às vezes só é preciso falar e ter alguém que queira te ouvir, não é?
Eu sei que o mundo tem problema maiores e mais sérios mas todo mundo precisa de falar dos seus uma hora
A salvação só pode estar fora desse asfalto, cara
Quando a gente sair daqui conversa direito, sei lá
Porque com 23 anos eu ainda sou forte, resistente e tão cego quanto o meu pai