Gabriel, o Pensador
Brasa
[Verso 1: Gabriel o Pensador]
Um poeta já falou, vendo o homem e seu caminho:
O lar do passarinho é o ar, e não o ninho
E eu voei
Eu passei um tempo fora, eu passei um tempo longe
Não importa quanto tempo, não importa onde
Num lugar mais frio, ou mais quente de repente
Onde a gente é esquisita, um lugar diferente
Outra língua, outra cultura, outra moeda
É, vida dura mas eu sou duro na queda
Se me derrubar, eu me levanto
E fui aos trancos e barrancos, trampo atrás de trampo
Trabalhando pra pagar a pensão e superar a tensão do pesadelo da imigração
Clandestino, imigrante, maltrapilho
Mais um subdesenvolvido que escolheu o exílio
Procurando a sua chance de fazer algum dinheiro
No primeiro mundo com saudade do terceiro
Família, amigos, meus velhos, meu mano
O meu pequeno mundo em segundo plano
Eu forcei alguns sorrisos e algumas amizades
Passei um tempo mal, morrendo de saudade
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade
Da beleza poluída, da favela iluminada
Do tempero da comida, do som da batucada
Da cultura, da mistura, da estrutura precária
Da farofa, do pãozinho e da loucura diária
Do churrasco de domingo, o rateio e o fiado
A criança ali dormindo, o coroa aposentado
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade
Da mulata oferecida, do pagode malfeito
De torcer na arquibancada pro meu time do peito
A pelada sagrada com a rapaziada
O sorriso desdentado na rodinha de piada
Da malandragem, da nossa malícia
Da batida de limão, da gelada, que delícia
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade
Do jornal lá na banca, da notícia pra ler
Das garotas dos programas da TV
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral
Do calor humano, do fundo de quintal
Do clima, da rima, da festa feita à toa
Típica mania de levar tudo na boa
Do contato, do mato, do cheiro e da cor
E do nosso jeito de fazer amor
[Verso 2: Gabriel o Pensador]
Agora eu sou poeta, vendo o homem a caminhar
O lar do passarinho é o ninho, e não o ar
E eu voltei
E eu passei um tempo bem, depois do meu retorno
Eu e minha gente, coração mais quente, refeição no forno
Água no feijão, tô na área, bichinho
Se me derrubar, eu não tô mais sozinho
Tô de volta, sim senhor
Sou brasileiro, com muito orgulho
Com muito amor, mas o amor é cego
Devo admitir, devo e não nego
Que aos poucos fui caindo na real
Vendo como o Brasa tava em brasa, tava mal
Vendo a minha terra assim em guerra, o meu país...
Não dá, não dá pra ser feliz
E bate uma revolta, e bate uma deprê
E bate a frustração, e bate o coração pra não morrer
Mas bate assim cabreiro
Bate no escuro, sem esperança no futuro, bate o desespero
Bate inseguro, no terceiro mundo, se for, com saudade do primeiro
Os velhos, os filhos, os manos
Ninguém aqui em casa tem direito a fazer planos
Eu forcei alguns sorrisos e lágrimas risonhas
Passei um tempo mal, morrendo de vergonha
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha
Da beleza poluída, da favela iluminada
Da falta de comida pra quem não tem nada
Da postura, da usura, da tortura diária
Da cela especial, da estrutura carcerária
A chacina de domingo, o rateio e o fiado
A criança ali pedindo, o coroa acorrentado
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha
Da mulata oferecida, do pagode malfeito
Morrer na arquibancada pro meu time do peito
O salário suado que não serve pra nada
O sorriso desdentado na rodinha de piada
Da malandragem, da nossa milícia
Da batida da PM, porrada da polícia
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha
Do jornal lá na banca, da notícia pra ler
Das garotas de programa dos programas da TV
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral
Do sorriso mentiroso na campanha eleitoral
Do clima de festa, da festa feita à toa
A ridícula mania de levar tudo na boa
Do contato, do mato, do cheiro da carniça
E do nosso, jeito de fazer justiça
Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa, casa do meu coração
Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa
E a minha casa só precisa de uma boa arrumação
[Outro: Gabriel o Pensador e Lenine]
Muita água e sabão (Ensaboa, meu irmão)
Não se suja não (Indignação)
Manifestação (Mais informação)
Conscientização (Comunicação)
Com toda razão (Participação)
No voto e na pressão (Reivindicação)
Reformulação, água e sabão
Na nossa nação
Água e sabão, tá na nossa mão
Tô morrendo de paixão, tô morrendo de paixão