Claudio Botelho
É Cruel
[SHAKESPEARE]
Eu vivo ocupado, meu tempo é contado
Com tudo que há pra fazer
Almoços e festas, leituras, palestras
A imprensa que me quer

Vou posar pra um retrato
São horas sentado
Fazendo o mesmo carão
Se eu saio pra um drink
É de mim se eu disser:
"Autógrafo? Pois não"

Quando a noite acabar
De volta ao lar
? ser quem sou
Um grande escritor
Refém do pavor
De entender que já não sou

[SHAKESPEARE (E CORO)]
É cruel (Cruel)
É cruel (Cruel)

[SHAKESPEARE E CORO]
É duro e é cruel
É tudo tão cruel
[SHAKESPEARE (E CORO)]
Por fora, essa calma
No fundo da alma, é cruеl (Cruel)
Cruel (Cruel)
Incrivеlmente cruel
Extremamente, totalmente cruel
É tão cruel ser eu

[SHAKESPEARE, falando]
Honestamente, eu não sei como consigo. É que assim, numa boa, eu sou apenas um, né, galera?

[SHAKESPEARE (E CORO)]
Toda hora tem fã, tarde, noite e manhã
Para tudo que vou mijar (Vou mijar)
Tem um fã me esperando
Tem outro pirando
Pedindo pra balançar (Deixa, deixa)

Eu carrego essa cruz
Eu sou tipo Jesus
É pesado, mas sei que é do jogo (É pesado)
E viver é jogar e quem vai ganhar
É quem bota a mão no fogo (No fogo)

Mas eu vou, eu vou
Eu sei que vou
Meu destino é voltar aqui
Me arrasto de volta e nada me solta
Alguém traz o gin que eu pedi?
[SHAKESPEARE (E CORO)]
É cruel (Cruel)
Cruel (Cruel)

[SHAKESPEARE E CORO]
É tudo tão cruel
É sexy e é cruel

[SHAKESPEARE (E CORO)]
Fazer o universo
Caber só num verso é cruel (Cruel)
Cruel (Cruel)
Intoxicante e cruel
Exasperante, desconcertante e cruel
É tão cruel ser eu, baby

[SHAKESPEARE, falando]
Eu sei que escrever me deixou famoso. Mas ser famoso é muito mais divertido do que ter que escrever

(cantando)
Mas só que nunca ninguém compreendeu
Que o que tá no papel sai aqui do meu eu
Mas eu caguei, já me cansei
São anos na mesma função
Meu amor, eu mereço?
Sabe o que é procurar um verso num quadro?
Uma luz, uma ideia, quantas voltas dei?
Ignorei esperando um sinal divino
Um risco, um cisco, um simples "hello"
Então, opa! É isso, a hora chegou

Você se deu bem? Bem mal
Você se lembrou que a merda da peça
Não é qualquer merda
É merda em verso, puta que pariu

Então você faz uma frase e desfaz
Tenta outra e desfaz, tenta outra vez
Tenta mais e desfaz, já não sabe o que faz
Círculo simples, círculo simples
Blah-blah-blah, blah-blah-blah, blah-blah-blah, blah-ah-ha-ha...

(…)

[CORO]
É cruel

[SHAKESPEARE, falando]
Peraí, gente, fiquei aqui fora, eu hein!

[SHAKESPEARE (E CORO)]
É cruel demais (Cruel)
Mas por que eu deixei escapar, afinal? (Cruel)
Como é cruel arcar com o peso de criar (Cruel)
Como é cruel a pressão de ser mais do que fui
Só pra me superar (Cruel)
Cruel (?)

Vou lá fora, quero o que é meu
O que vem agora, eu digo outra vez (Outra vez)
Hei de fazê-lo pagar o que fez (Ele fez)
? o trabalho braçal
Que é totalmente, extremamente cruel (Oh, cruel)

(...)

Pois é cruel! (Cruel, super cruel)
Cruel! (Cruel, super cruel)
Cruel! (Cruel, super cruel)
Sou lindo e famoso
Bonito e gostoso
Não tem jeito, a inveja é cruel