Vinícius de Moraes
Mensagem
[Narração: David Mourão-Ferreira]
Do outro canto da sala
Pede-se agora a Vinícius umas palavras finais de saudação
[Discurso: Vinícius de Moraes & Natália Correia]
Pedem para dizer as impressões que levo de Portugal
As impressões são as mais carinhosas possíveis
Um povo no qual descemos
E no qual tenho as minhas raízes mergulhadas
E que eu queria conhecer um dia, né
Porque eu sou um homem meio sem pátria, não tenho pátria
Minha pátria é a humanidade
Mas de toda a maneira eu queria conhecer o povo português
Queria entrar em contacto com ele
Um povo com tamanha ânsia de viver, de aparecer e de reaparecer na história, né?
Esse povo heróico que criou tantas coisas lindas né
Um povo que deu um poeta como Luís de Camões
Todo o cancioneiro antigo, não é que conheça tão bem no qual me embebi
No qual sofri uma grande influência
Então a impressão que eu levo deste povo do contacto com ele
Com os intelectuais com os poetas, com as pessoas
É uma impressão assim... ao mesmo tempo de beleza e de tristeza, né?
Engraçado, porque o contacto foi o mais amoroso possível
E esse é o contacto que me interessa
Mas ao mesmo tempo uma impressão de tristeza
Deste povo tão formalizado ainda, né?
Tenho a impressão que o povo português precisava de ser desgravatado
Perder assim uma série de formalismos que ele conserva, né
Na maneira que o que eu posso dizer do povo português neste momento
Aos meus amigos portugueses
Esses que me trataram com tanto carinho
Que tiveram tanta atenção para comigo
Inclusive uma atenção que eu não me acho merecedor porque ainda não descobri o meu caminho
É este dispenso o formalismo
É um grande problema do povo português
Para mim
Do que eu pude verificar aqui
Integrar-se na grande vida
Num negócio que eu também não sei muito explicar
Mas que eu acho que é fundamental para o ser humano
Comunicar-se cada vez mais
Amar-se, amar-se
Sem problemas, sofrendo muito
O sofrimento faz parte do jogo, não tem importância
Nós somos praticamente 100 milhões de seres humanos falando uma língua comum
E a nossa poesia é comum de uma certa maneira
Nós temos os mesmos problemas
A mesma tristeza intrinsica
Que é uma tristeza de conhecer o nosso semelhante
De maneira que outros povos não conhecem
Temos assim a mesma doçura para viver
Assim uma certa necessidade de se comunicar
Que outros povos não têm
Nós somos os últimos povos que amam e que cantam, né?
E que escrevem uma poesia direita
Que tenta dizer alguma coisa
A minha única mensagem que eu digo aqui a vocês hoje
Na casa da minha querida amiga amália Rodrigues
Essa tremenda cantora, né
Que eu amo, que eu jamais amo
E que realmente transmite, para mim transmite assim o que é
O que seria, digamos um Portugal verdadeiro, né
A única coisa que teria de dizer vocês é o seguinte
Rompem as cadeiras
Vivem
Amem-se
Rompam as tradições
Rompam os preconceitos
E aí eu tenho a impressão que cada um vai ser, pode tornar-se mais feliz
Eu acho que o grande problema do ser humano é a felicidade
Cada um deve procurar a sua felicidade
E ao procurar a sua felicidade
Procura a felicidade do seu semelhante, né
Não sei se disse muita bobagem
Não
Mas eu disse isso tudo que disse a vocês aqui por a [?] espírito de verdade, de amizade e de compreensão
E agora eu quero ir para minha casa
[Narração: David Mourão-Ferreira]
Isto é apenas uma síntese
Uma síntese naturalmente precária para o espaço breve de dois discos
De quanto se cantou
De quanto se disse
De quanto ficou gravado
Uma noite em casa de Amália
Com a presença de Vinícius
Um encontro informal de pessoas da mesma família
E que vale justamente por esse carácter de informalidade