Eduardo Taddeo
A Mão Que Assalta o Berço
[Verso 1]
4 da madruga ouvi: "Bem acorda
A bolsa estourou, tem contrações, tá na hora"
Sem previsão do 192 pruma ambulância
Vamos pro Hospital percorrendo a pé a distância
O lixo reciclado não deu verba pro Táxi
Nem fodendo imploro pro Copom solidariedade
Vencemos a via crucis até a recepção
Correram pra sala de parto, 10 de dilatação
Como não tive um centavo pra Ultrassonografia
Não sei o sexo do bebê ou se tem anomalia
Nasceu só apresentado pelo vidro do berçário
É um menino desnutrido, visivelmente mais magro
Só alegria, até a assistente social falar comigo
Não, senhora, eu cato papelão, não sou mendigo
Só entendi os 2 PMs preparados na porta
Quando ouvi: "O Estado vai ficar com a guarda provisória"
Enquanto o spray de pimenta me contém
Sarcasticamente a puta diz que é melhor pro neném
O obstetra já devia tá alerta
Pra dá um salve com surgimento da criança certa
"Alô, juiz, apareceu outro filho de esfomeado
Dá a canetada e trafica pro cliente no aguardo"
Não tem mais canção de ninar, primeiro passo e beijo
A mão suja do playboy assaltou meu berço

[Refrão x2]
Dorme, neném, que a justiça vem pegar
Papai não tem dinheiro então proíbem de te criar
A mão do rico assalta o berço pra depois traficar
Criança pra gringo e boy escravizar, estuprar e matar

[Verso 2]
O dia da alta não é festivo, é depressivo
O crime premeditado me faz pensar em suicídio
É foda ver registrado no nome de um bacana
Quem teve no ventre da minha mulher por 40 semanas
Na vara de infância a preocupação não é segurança familiar
É atender a burguesa que não pode engravidar
Não é preciso de inseminação artificial
É só esperar a fecundação de um mandado judicial
A mesma mão que através da caneta me assalta
Aceita a Kwashiorkor na favela, nível Bengala
As crianças em severa situação de risco
Do Ipanema a Leblon, Asa Norte, Paraíso
A intensa corrupção de menor nesses anos
Converte herdeiros em carniceiros desumanos
Meses se vão e eu me sinto um escravo leiloado
Que o feitor-mor arrancava o filho do seu lado
Sem nenhum tipo de assistência jurídica
Parei de sonhar com a reinserção gradativa
O tribunal prefere abastecer comércio de gente
Do que dar tutela pra pai biológico indigente
Devia ter ouvido o mano da antiga
É só olhar o cativeiro, repor a água e dar comida
Se tivesse tentado as Ducati com lança morteiro
Talvez a mão do rico não tinha assaltado meu berço

[Refrão x2]
Dorme, neném, que a justiça vem pegar
Papai não tem dinheiro então proíbem de te criar
A mão do rico assalta o berço pra depois traficar
Criança pra gringo e boy escravizar, estuprar e matar

[Verso 3]
Não posso permitir que meu filho acabe
Com a língua cortada por um alicate
Comendo fezes, ouvindo palavras racistas
Como a menina na mão da procuradora de justiça
Só por milagre não vai ser jogado pela janela
No plágio dos Nardoni, no caso Isabella
Mesmo iletrado e sem influência política
Vou mostrar quem é o carroceiro que o motorista xinga
Fiz meu drama comover uma tia do Conselho Tutelar
Que me deixou ver a babá saindo pra passear
No dia, fingi que eu tava satisfeito
Mas gravei o trajeto, o horário e o endereço
24 horas depois, uma faca no pescoço
"É meu filho nesse carrinho, não grita socorro!"
Fugi, mas fui filmado por vários circuitos internos
Que ironia, agora sou procurado por sequestro
Hoje é o décimo dia da minha fuga
A foto no jornal me entregou pr'um filho da puta
Que achou estranho um homem com um bebê
Entrando às pressas em um dos dutos do Rio Tietê
Percebo passos vindo na direção do esconderijo
Lanterna na cara, gritos, armas, é o DAS invadindo
Enquanto a mão do boy assalta meu berço de novo
Calculo minha pena no artigo 148

[Refrão x2]
Dorme, neném, que a justiça vem pegar
Papai não tem dinheiro então proíbem de te criar
A mão do rico assalta o berço pra depois traficar
Criança pra gringo e boy escravizar, estuprar e matar