Vitor Rocha
Comé Que Não Chora
DOROTÉIA: Como é que você se enferrujou se a água todinha foi-se embora?
CABRA-DE-LATA: Foi de tanto chorar
MAMULENGO: Chorar? Chorar por que, home?
CABRA-DE-LATA: Por ver tanta desgraça e não poder fazer nada
DOROTÉIA: Como é que alguém chora tanto assim?
[CABRA-DE-LATA]
Comé que não chora, menina
Diante da história que eu vou lhe contar?
Já peço licença e desculpa
Por tanta feiura que vou relembrar, viu?
Já faz tempo, mas um dia o povo
Já foi bem feliz aqui nesse sertão
E os cabinhas corriam e brincavam
E pra cima e pra baixo ao som do baião
[CABRA-DE-LATA E MAMULENGO]
Mas então a água foi-se embora
E deixou um rastro de dor pelo chão
Comé que não chora, menina
Vendo as criancinha tudo emagrecer, hein?
Comé que não chora, menina
Assistindo os bicho de sede morrer?
As árvores ressecando
O solo inteiro rachando
O povo se bandeando
E eu espiando e chorando
[TODOS]
Lata não tem tumtum não
Lata não tem tumtum não
[CABRA-DE-LATA]
Pois se a gente não chora pra fora
Menina, por dentro vai se enferrujar
Mas a coisa aqui foi tão séria
Que não deu pra nada eu chorar um mar, ai
CABRA-DE-LATA: A última a ir-se embora, foi uma mulher com seu filho nas mãos, tão triste, mirrado, sem vida. E ela disse uma coisa que eu não esqueço não:
[MULHER]
Nesse mundo, é milhó ser de lata
No peito um buraco, pra que coração?
[CABRA-DE-LATA]
Comé que eu não ia chorar?
Comé que eu não ia chorar?