Edi Rock
Negro Drama
[Letra de "Negro Drama"]

[Verso 1: Edi Rock]
Negro drama, entre o sucesso e a lama
Dinheiro, problemas, inveja, luxo, fama
Negro drama, cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga, à procura da cura
Negro drama, tenta ver e não vê nada
A não ser uma estrela, longe, meio ofuscada
Sente o drama, o preço, a cobrança
No amor, no ódio, a insana vingança
Negro drama, eu sei quem trama e quem tá comigo
O trauma que eu carrego pra não ser mais um preto fodido
O drama da cadeia e favela
Túmulo, sangue, sirene, choros e velas
Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia
Que sobrevive em meio às honras e covardias
Periferias, vielas, cortiços
Você deve tá pensando o que você tem a ver com isso
Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então, veja você quem mata
Recebe o mérito, a farda que pratica o mal
Me ver pobre preso ou morto já é cultural
Histórias, registros, escritos
Não é conto, nem fábula, lenda ou mito
Não foi sempre dito que preto não tem vez? Então
Olha o castelo e não foi você quem fez, cuzão
Eu sou irmão dos meus trutas de batalha
Eu era a carne, agora sou a própria navalha
Tim-tim! Um brinde pra mim
Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias
O dinheiro tira um homem da miséria
Mas não pode arrancar, de dentro dele, a favela
São poucos que entram em campo pra vencer
A alma guarda o que a mente tenta esquecer
Olho pra trás, vejo a estrada que eu trilhei, mó cota
Quem 'teve lado a lado e quem só ficou na bota
Entre as frases, fases e várias etapas
Do quem é quem, dos mano' e das mina' fraca'
Hm, negro drama de estilo
Pra ser, se for, tem que ser; se temer, é milho
Entre o gatilho e a tempestade
Sempre a provar que sou homem e não um covarde
Que Deus me guarde, pois eu sei que ele não é neutro
Vigia os ricos, mas ama os que vêm do gueto
Eu visto preto por dentro e por fora
Guerreiro, poeta entre o tempo e a memória, ora
Nessa história, vejo dólar e vários quilates
Falo pro mano que não morra e, também, não mate
O tique-taque não espera, veja o ponteiro
Essa estrada é venenosa e cheia de morteiro
Pesadelo? Hmm, é um elogio
Pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu
No clima quente, a minha gente sua frio
Vi um pretinho: seu caderno era um fuzil
[Interlúdio: Mano Brown]
Crime, futebol, música... Caralho!
Eu também não consegui fugir disso, aí
Eu sou mais um
Forrest Gump é mato
Eu prefiro contar uma história real
Vou contar a minha

[Verso 2: Mano Brown]
Daria um filme
Uma negra e uma criança nos braços
Solitária na floresta de concreto e aço
Veja, olha, outra vez, o rosto na multidão
A multidão é um monstro sem rosto e coração
Ei, São Paulo, terra de arranha-céu
A garoa rasga a carne, é a Torre de Babel
Família brasileira: dois contra o mundo
Mãe solteira de um promissor vagabundo
Luz, câmera e ação!
Gravando, a cena vai
Um bastardo, mais um filho pardo sem pai
Ei, senhor de engenho, eu sei bem quem você é
Sozinho 'cê num 'guenta, sozinho 'cê num entra à pé
'Cê disse que era bom e a favela ouviu
Lá também tem uísque e Red Bull, tênis Nike e fuzil
Admito, seus carros é bonito
É, e eu não sei fazer
Internet, vídeo-cassete, uns carros loucos
Atrasado eu tô um pouco, sim, tô, eu acho
Só que tem que—
Seu jogo é sujo e eu não me encaixo
Eu sou problema de montão, de carnaval a carnaval
Eu vim da selva, eu sou leão, sou demais pro seu quintal
Problema com escola eu tenho mil, mil fitas
Inacreditável, mas seu filho me imita
No meio de vocês, ele é o mais esperto
Ginga e fala gíria
"Gíria, não, dialeto!"
Esse não é mais seu, ó, fiiiuuu— Subiu
Entrei pelo seu rádio, tomei, 'cê nem viu
"Nóis é isso, é aquilo"
O quê? 'Cê não dizia?
Seu filho quer ser preto, ah! Que ironia
Cola o pôster do 2Pac, aí, que tal? O que 'cê diz?
Sente o negro drama, vai, tenta ser feliz
Ei, bacana, quem te fez tão bom assim?
O que 'cê deu, o que 'cê faz, o que 'cê fez por mim?
Eu recebi seu tique— quer dizer, kit
De esgoto a céu aberto e parede madeirite
De vergonha, eu não morri, tô firmão, eis-me aqui
Você, não, 'cê não passa quando o Mar Vermelho abrir
Eu sou humano, homem duro, do gueto, Brown, Obá
Aquele louco que não pode errar
Aquele que você odeia amar nesse instante
Pele parda e ouço funk
Vim de onde vêm os diamantes: da lama
Valeu, mãe, negro drama
[Saída: Mano Brown]
Aí... Na época dos barraco de pau lá na Pedreira
Onde cês tavam? O que é que cês deram por mim? O que é que cês fizeram por mim?
Agora tá de olho no dinheiro que eu ganho?
Agora tá de olho no carro que eu dirijo?
Demorô, eu quero é mais, eu quero até sua alma
Aí, o rap fez eu ser o que sou
Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, e toda a família
E toda geração que faz o rap, a geração que revolucionou
A geração que vai revolucionar
Nos anos 90, século 21, é desse jeito
Aí, você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você, morô irmão?
Voce tá dirigindo um carro, o mundo todo tá de olho em você, morô?
Sabe por quê? Pela sua origem, morô irmão?
É desse jeito que você vive, é o Negro Drama
Eu não li, eu não assisti
Eu vivo o Negro Drama, eu sou o Negro Drama
Eu sou o fruto do Negro Drama
Aí, Dona Ana, sem palavras, a senhora é uma rainha, rainha
Mas aí, se tiver que voltar pra favela, eu vou voltar de cabeça erguida
Porque assim que é, renascendo das cinzas
Firme e forte, guerreiro de fé
Vagabundo nato!