Emicida
‘Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe...’ 8 anos depois
Ainda imerso na frutífera tradição brasileira das batalhas de freestyle, há oito anos Emicida lançava sua primeira mixtape Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…, que provou ser um dos mais importantes trabalhos do rap nacional recente
É estranho pensar que já se passaram oito anos desde o lançamento da primeira mixtape do Emicida, batizada de Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…, facilmente um dos trabalhos que mais influenciariam o futuro do rap brasileiro desde então. A mixtape não só foi um marco na vida do próprio Emicida, que passou a se projetar como um dos grandes nomes do rap nacional, mas também serviu de influência para uma geração inteira de rappers que hoje são vistos como referência. De Neto Síntese a Coruja BC1, Pra quem já mordeu cachorro por comida... influenciou, direta ou indiretamente, uma infinidade de nomes de peso no rap nacional recente. A mixtape que teve mais de três mil cópias vendidas boca-a-boca e que trouxe à luz a expressão “A Rua é Noiz” é seguramente um marco na história do rap brasileiro

Como o título da mixtape sugere, Pra quem já mordeu cachorro por comida... é um belo registro autobiográfico de Emicida, o jovem introspectivo e intuitivo de São Paulo que encontrou no rap a saída para uma realidade caótica, o homem da periferia que concebe as alegrias da vida em meio às agruras de um cotidiano pobre e violento, o ser humano periférico que extraiu sabedoria para uma vida inteira em vinte e poucos anos. Já na faixa “Intro (É necessário voltar ao começo)” Emicida se introduz ao público com uma amostra do peso de suas considerações sobre diversos assuntos que vão desde o sentido da vida até o estado geral da sociedade – “Ruas vazias, aqui ou em Gaza/ Hoje as pessoas boas se escondem atrás das grades das casas”. A faixa-intro é apenas um prenúncio de um conjunto de observações de Emicida sobre racismo, rap, sociedade, amor, alegria, ódio e tudo o mais que podemos ouvir nas tracks

Um dos pontos mais interessantes da mixtape é o fato de que o clima agradável, aberto e alegre de faixas como “Pra Mim (Isso É Viver)”, “Só Isso” e “Ainda Ontem” é prontamente contraposto pela melancolia e tensão de faixas como “Sozim”, “Cidadão”, “Essa É Pra Você Primo” e tantas outras. A mixtape traz ao ouvinte a impressão de que Emicida escreveu cada faixa como se fosse a última de sua vida, como se este fosse seu último trabalho em vida, como se ali estivesse a soma de todas as suas alegrias e tristezas

Por outro lado, Emicida também reflete sobre o dia-a-dia de quem vive de rap: o ato de escrever, a busca pelos samples, as noites inteiras dedicas à produção das faixas, o sentido de ser um artista independente no cenário do rap brasileiro, entre outras. Em “Rotina”, Emicida dá um belo exemplo de seu ofício – “Acho que às 6 da matina só eu olho o horizonte/ Dou valor pro nascer do sol, buscando os verso na fonte”. No hit “Triunfo” – cujo videoclipe foi indicado à Categoria de Vídeo do Ano no VMB 2009 – Emicida explica a origem disso tudo – “Não escolhi fazer Rap não, na moral / O Rap me escolheu por que eu aguento ser real”.

E como esquecer as faixas que falam de amor? Em faixas como “Ela Diz”, “Fica Mais Um Pouco Amor” e “Sei Lá” Emicida se dedica a falar da pessoa amada, da alegria da presença de quem se ama e da tristeza de sua partida, das dores dos términos e do amor como um bem para a vida de todos. Embora canções de amor tenham sempre existido no rap brasileiro, é possível ver como falar de amor passou a ser cada vez mais comum após essa mixtape

Falar de "Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…" poderia encher páginas e páginas de conteúdo e o futuro poderá mostrar novas reflexões sobre o impacto desse trabalho para o rap brasileiro. Emicida, hoje um dos mais bem-sucedidos artistas do país, mudou o curso do rap brasileiro com sua primeira mixtape e mostrou que no rap há um espaço reservado para os mais desacreditados e colocados à margem da cultura e da sociedade