Johnny Virtus
Cartas A Jovens Poetas
[Intro: Pedro Lamares]
Nessa vida, o tempo não é uma medida
Um ano nada é e dez anos não são nada
Ser artista, significa não fazer cálculos nem contas
Amadurecer como uma árvore que não força a sua própria seiva
E resiste, confiante, nas tempestade da primavera
Sem recear que o verão possa não vir depois
Ele vem
Mas apenas para o que são pacientes
Que estão lá como se tivessem a eternidade diante deles
Despreocupadamente
Tranquila e distante
Aprendo-o todos os dias com sofrimentos a que estou agradecido
A paciência é tudo

[Verso 1: Capicua]
Olá, jovem poeta, obrigada pela mensagem
É bom saber que estás comigo e tens seguido esta viagem
Quanto ao que me perguntas, é difícil responder
'Bora ver se eu te consigo esclarecer
Dizes que tens uns sons na net mas ninguém ligou nenhuma
E que é melhor que muito wack, com muito mais cobertura
E juras que nestes dois anos já devias ter contrato
Concertos só no quarto quando cantas 'pró teu gato
Lamento que assim seja mas é normal a demora
Isto é difícil e moroso, mesmo com uma editora
E apesar da internet fazer parecer imediato
É difícil de facto, leva tempo e bué trabalho
Se ninguém sabe que existes, só tu podes ser culpado
Há que dar passo a passo neste mercado minado
Onde a concorrência é muita e o dinheiro está contado
Até que o teu talento não possa ser ignorado
"I talk to artists all the time that try to fit a certain mold, to find their path
And I am always like "don't do that, just find your fanbase"
Create your community and everything else will come"

[Verso 2: Capicua]
Olá miúda, bom ouvir-te, fiquei feliz por continuares
Este teu último tema está melhor que os anteriores
Quanto às tuas perguntas e ao assunto que te traz
Não há resposta curta, 'bora ver se eu sou capaz
O início do percurso é difícil de superar
Ultrapassar em segurança e conquistar o teu lugar
Numa tribo de machistas e de gajos sem amigas
Em que há uma liga à parte para o rap de raparigas
Depois disso melhora e há menos dificuldade
E como somos poucas temos visibilidade
Mas se o teu rap for tosco ninguém vai querer ouvir
E há todo um longo esforço para poder persistir
Vão te querer só no refrão e sons de amor, azeiteirices
Mas quando os superares vão fingir que não existes
Podem até apoiar mas não te iludas nem hesites
Todo o teu caminho será rompendo limites
- "Today they separate man and woman when they talk about the greatests MCs
You know everyone puts woman against man"
- "We have to be a beast, that's the only way they respect you"

[Verso 3: Capicua]
Hey, como estás? Já vi que tem corrido bem
Parabéns pelo disco e pelas criticas também
Entendo bem os teus receios e partilho integralmente
O jogo é difícil e será sempre
Sentes que todos te amam, todos te querem por perto
E que toda a net repete, um oásis no deserto
Que a imprensa é cool, está em pulgas por te descobrir
Que o teu fã-clube está ao rubro por te difundir
Mas temes desinteresse quando o tempo for passando
E houver outro messias que arrebate esse rebanho
Não vou dizer que não, o hype é sempre rápido
Tens de ser consistente, tudo o resto é errático
Mas quem for mesmo fã não vai achar menos piada
Quando deixares de ser a novidade da manada
Não dependes desses cínicos e pseudos trendsetters
Dependes do teu som, o resto são haters
"Rap is about what´s new
You have a window
Before saying that you are the one that is no longer cool
And then you have to move past that
You have to find a way to resist"

[Verso 4: Capicua]
Não esperes por aprovação, pois as provas são tuas
Escreves por convicção, mano então tu continua
E se só assim és são, então escreve e põe na rua
Porque a rua reconhece, palavra de Capicua
Sempre agradecida, sempre ativa na corrida
Canto para viver a vida, não choro sem despedida
Transformando merda em ouro, na guerra e no choro
Emano no palco, mesmo quando estou a soro
Com técnica, estética, ajo cética e ética
Ciente do poder e do impacto, poética
Com fome de microfone, ferramenta e megafone
A diversão é muita mas a responsa' é enorme
Assim jovem poeta, não te meças pelos outros
Não te iludas com os números, não desistas por tão pouco
Ouve música, lê muito, escreve mais e fica forte
Pois o reconhecimento nunca foi questão de sorte

[Outro: Pedro Lamares]
Está a olhar para o exterior e isso é algo que não deveria fazer
Muito especialmente agora
Ninguém pode dar-lhe conselhos ou ajudá-lo, ninguém!
Só existe um meio
Entre em si mesmo
Procure as razões que o levam a escrever
Verifique se elas lançam raízes na profundezas do seu coração
Pergunte e responda a si mesmo se morreria caso o impedissem de escrever
E acima de tudo pergunte a si mesmo, no mais silencioso da noite
"Eu tenho de escrever?"
Mergulhe nos abismos da sua essência em busca de uma resposta profunda
E caso esta seja afirmativa
Se puder responder a esta pergunta séria com um simples e forte
"Sim, tenho!"
Então construa a sua vida à volta dessa necessidade
A sua vida tem de tornar-se, até nos mais indiferente e insignificante dos momentos
Num sinal e num testemunho desse impulso
É então que deve aproximar-se da natureza
Nesse momento, procure dizer como se fosse o primeiro ser humano
O que vê e sente
E ama e perde
E quando desse voltar-se para o seu interior
Quando desse mergulhar na sua própria essência resultarem versos
Não lhe ocorrerá sequer perguntar a alguém se esses versos são bons