Each1
Episódio 2 - Uma noite diferente
[Letra de "Uma noite diferente"]

[Intro: Keso]
Episódio dois, uma noite diferente
A lua não se via, coberta de nevoeiro, a aldeia parecia estranhamente calma
Ao longe, podia ver-se uma sombra caminhando, taciturna e solitária
Dário, o nosso ilustre personagem, era quem ditava o destino da silhueta que apontava para o "Bifes" antes de seguir numa outra direção

[Verso 1: Chek1]
Enquanto arranco as asas d'uma mosca e depois as patas
E a guardo no frasco junto com as outras
Ou enquanto enveneno um cão de uma qualquer entrada
Dando-lhe água com cianeto pelas grades do portão
Enquanto parto montras, risco carros
Acendo cigarros e atiro p'ró chão as pontas
Ou enquanto pondero se deveria ou não voltar para casa
E rumo noutra direção
Este mundo é tão bonito como uma criança morta
É perfeito demais para ser verdade
É uma junção genial de maldade e positivismo
Com o qual não fico muito à vontade
Eu sinto-me tão seguro aqui
Eu sinto-me tão seguro aqui
Eu sinto-me tão seguro aqui
Eu sinto-me tão maduro...
Este mundo é tão bonito como um velho acamado
Era simplesmente tudo o que alguém poderia querer
É uma soma do que não deveria ter sido dito
E de tudo aquilo que ficou por dizer
Tão aleatoriamente engraçado
Imagina-te consciente a observar o teto
Não te parece estar a ficar mais amarelado?

Este mundo é...
Não sei explicar bem, mas estou agradecido por fazer parte
É tão bom poder fazer mal aos outros
Ver de olhos brilhantes
As enormes consequências
Que posso ajudar a causar com estes pequenos actos
É interessante ver-te chorar
Emocionante fingir que te vou soltar
E prazeroso sentir-me culpado
É reconfortante arrepiar-me
Sair por um qualquer caminho sinuoso
Voltar p'ra casa e ter o jantar preparado
Obrigado mãe, 'tava muito bom
Vou só arrumar a cozinha e vou para o quarto
(vou para o quarto, vou para o quarto, vou para o quarto)

[Verso 2]
Saí pela janela
E ao fechá-la devagar
Ouviu-se o som seco de madeira a relinchar
Antes que ela desse por ela
Pus o pé no cano e em pouco tempo
Icei-me de maneira a entrar
Peguei nas aguarelas e nos lápis
Num fragmento de momentos
E sentei-me na cadeira a desenhar
Era um jardim laranja com árvores azuis
Chovia agora mais forte que há pouco
Naquela noite escura e demasiado calma
Apetecia-me vê-lo de novo
Ouvia a televisão na sala, um uivo constante
Os pingos nos vidros
E a minha mãe a andar d'um lado para o outro
Eu não poderia esperar muito
Imaginar tranquilizava-me, claro
Mas não me deixava indisposto
Fui-me entretendo a olhar p'ró frasco
Lá dentro algumas ainda se mexiam
Revelavam apenas algum desconforto
Absorto no pensamento e no que meus olhos viam
Nem dei p'lo passar das horas
É à uma em ponto que finalmente me apronto para sair
E p'lo vento já me encontro lá fora
Passei a ponte e no café do Ismael
Eu vi o Carlos com a dona Celina à porta
Entrei, com um gesto pedi uma aguardente
P'ra ver se ficava mais quente, e cumprimentei os brothers
Saí do "Bifes" solitário
E caminhei pelo meio da estrada
Sem conseguir parar de pensar naquilo
Dei asas ao imaginário enquanto não chegava
Senti no bolso a chave do asilo
Na minha mente eu dei-te golpes suavemente
Absorvi a tua loucura e o teu sofrimento
Não era suficiente
Aproximava-se da mata
Um tal indivíduo, lenta e calmamente
Vos direi, escusadamente, que eu e ele somos o mesmo
Nas árvores os ramos abanavam-se com o vento
Cerrada a noite com azuis a desvanecer no preto
Também eu desvanecia por entre um nevoeiro denso
Numa imagem exagerada
Onde tudo era um complemento
Cansado, caminhava incessantemente
Após alguns minutos vejo o asilo finalmente à minha frente
Talvez pensasses que hoje eu não voltava
Mas decidi fazer-te uma surpresa
Entrei, estava escuro e silencioso
Fechei a porta, pousei as chaves na mesa
Assobiei a mesma música melancólica de sempre
Para que me ouvisses e eu a ti
E estranhamente não te ouvi
Temia agora que sem eu ter tido o privilégio de ter visto
Tivesses partido p'ra esse lugar tão longe e tão perto daqui
Tremia de ansiedade enquanto descia as escadas da cave
Onde acabo por ver uma janela aberta
Fui em direção a ela
Espreitei a paisagem mais bela que haveria
Se dela fizesses parte

[Verso 3]
Eu vi-te rastejar, mas sabia ser apenas a minha imaginativa mente
Mentirosa, presunçosa
Egoísta, dispersa
Nada modesta
A raiva a acumular-se trazia um alívio
Que me confortava minimamente
Tamanha desilusão é a única sensação boa que me resta
Ao aperceber-me do sucedido
Resignado finalmente e realmente
Dobrava o lábio, cerrava os dentes
Esbugalhava os olhos e franzia a testa
Decididamente, não há mais nada que me contente
Ou faça ficar aqui dentro
Zangado, caminho naquela noite encoberta pela floresta
Enquanto parto galhos e lhes arranco as folhas
E pelo caminho vou a bater em coisas
Ou enquanto esmago minhocas no chão
E sinto o estalar da carapaça de um caracol na minha mão
Enquanto penso noutras maldades loucas
E intimido com o olhar, duas pessoas
Ou enquanto pondero se deveria
Ou não voltar para casa e rumo nessa direção