Rodrigo Ogi
Inspirada nos Racionais MC’s, nova geração dá mais cores e valores ao rap

Preenchendo o espaço deixado pelo hiato de 12 anos sem lançamentos dos Racionais MC's, jovens artistas tomam a cena musical paulistana.O papo do Kleber Simões é reto: o hip-hop está na melhor fase. "Como 2013 foi melhor que 2012, que superou 2011, que foi bom. Antes, a gente engatinhava. Aprendemos a andar. Agora, temos que correr e dar voltas na pista."

Moral para dizer isso não falta. Ele é KL Jay, um dos quatro homens mais importantes na estrada do rap paulistano e nacional. O DJ é um dos Racionais MC's, considerado o grupo de maior relevância do gênero no país.

"As pessoas se identificam com o que a gente fala. Conseguimos fazer uma coisa de vanguarda e contemporânea ao mesmo tempo", afirma Edi Rock. Ice Blue e Mano Brown completam o quarteto, que celebra 25 anos e já tem shows agendados até março.

O tim-tim para os fãs foi uma turnê e o lançamento de "Cores e Valores" --primeiro álbum de inéditas desde "Nada Como um Dia Após o Outro Dia" (2002). No intervalo, apresentaram novas músicas e projetos individuais.

Sem esquecer a importância de nomes como Thaíde, Facção Central, RZO, Sabotage, Kamau, Max B.O. e Criolo, entre outros, o hiato de 12 anos intensificou a expectativa por um disco novo do grupo paulistano.

O Brasil também mudou no período, mesmo as ruas ainda não sendo como a Disneylândia (Vocês continuam sendo parados pela polícia? "Isso não muda. Nós somos o estereótipo do suspeito", afirma Edi Rock).

O poder de consumo cresceu, o interesse pela cultura das periferias aumentou, e a tecnologia conectou fontes de criação e expressão. E uma nova geração de rappers aproveitou o que tinha à mão para botar a ideia na cabeça em prática.

"Hoje, tem mais gente puxando o bonde, e isso é melhor", celebra KL Jay, referindo-se à recente safra, que inclui os nomes Rincon, Flora, Ogi, Karol Conká e Flow MC.

Inspirada nos Racionais, essa turma 2.0 plantou ideias próprias e partiu para a cena, com novas ou antigas mensagens (porém, ainda necessárias), diferentes batidas, temas e a maneira de tocar o "business".

"Foi necessário ser mais agressivo nos anos 1990", conta Júlio César Eugênio Manoel, o Flow MC, do Ipiranga (sul). "Fico feliz em ver um negro escrevendo uma letra feliz."

Aos 28 anos, ele organiza desde 2006 a batalha (disputa de rimas) do Santa Cruz, encontro semanal na saída do metrô. Lá se destacaram Emicida e Projota, que hoje tem 6,4 milhões de seguidores no Facebook.

"O trunfo atual é a variedade de opções", diz Rincon Sapiência, 29. Nascido e crescido em Itaquera, zona leste, ele começou no rap aos 15 anos.

Em 2009, seu hit "Elegância" permitiu a ele abandonar o emprego em telemarketing e buscar viver de música. Seu EP "SP Gueto BR", lançado em maio, inclui um remix da faixa "Transporte Público", cujo clipe foi lançado em meio aos protestos de 2013.
David Nascimento dos Santos, o Amiri, do Butantã, tem a mesma idade dos Racionais. "É positivo a gente estar se descobrindo criativamente cada vez mais", diz o autor da mixtape "Antes, Depois", na internet desde janeiro.A VEZ DELAS"O meu estilo é tão livre que nem sei falar o que é", afirma Karol Conká, 28. Nos tempos de escola, a curitibana recorria à música para criar uma espécie de autoajuda para quem, como ela, sofria algum tipo de discriminação --racial e social, no seu caso.

"Sempre a mensagem no final era de tudo vai dar certo." O protesto está na música dela, mas com outra roupa.

Essa turma vem aos poucos alterando a cara fechada do rap, na opinião de Flora Matos, 26. "A do rap paulistano é mais fechada ainda", brinca.

"Temos a ambição de arrancar um sorriso bem largo dessa cara quando lançarmos o álbum novo, em 2015." Natural de Brasília, ela estreou no palco aos 16 anos. Em 2007, mudou-se para a Bela Vista, em São Paulo.

Karol e Flora retratam a expansão das mulheres em um gênero tido como machista. "A mulher tem um caminho longo a percorrer por igualdade no segmento rap e em qualquer outro universo", afirma Flora.

"O rap feminino está trazendo outros elementos, contribuindo para a evolução", afirma a MC Lurdez da Luz, 34. "Estamos trazendo um público novo e diversidade."

Criada na região central paulistana, ela diz que o rap se "fundiu muito com a música brasileira". "Vejo muito samba e balanço negro." E o estilo, defende ela, precisa continuar sendo livre, sem a pressão do mercado ou mesmo do próprio rap.MONEYA forma de sobreviver do rap igualmente passa por mudanças desencadeadas pela nova geração, que agora faz apresentações por toda a cidade, em bairros como Vila Mariana, Pinheiros, Santana e Jardim Paulista. Aqui entra em cena Emicida. Em 2009, ele começou a vender sua primeira mixtape por R$ 2 em filas de festas.

Após cinco anos, seu selo/produtora Laboratório Fantasma lançou uma coleção de roupas, e a música "Levanta e Anda" foi parar no game "Fifa 15".

"Inspiramos artistas a se organizarem de outra forma, investirem no merchandising e na captação de gente para trabalhar a música e produzir espetáculos cada vez melhores", afirma o rapper, batizado Leandro Roque de Oliveira, 29, e criado em Cachoeira, zona norte de São Paulo.

"Ele fez o jogo voltar a ser o jogo", conta o MC Rodrigo Hayashi, o Ogi, 34, do Jardim Celeste, zona sul. À época, os CDs do grupo ao qual pertencia (Contrafluxo) custavam R$ 10. "O Emicida vendeu trocentas cópias e começou, aí gerou outro mercado."

Para Ogi, que iniciou a carreira solo com "Crônicas da Cidade Cinza" (2011), em que rima histórias de motoboys, busca por empregos, policiais e ladrões, nada mais justo do que ganhar dinheiro com a música. "Tem os caxias com pensamento de que tem que ir trampar no trampo dele ali e fazer show de graça, sofrendo. Não, mano. Quem quiser sofrer que sofra."

Gabriel Rocha, 32, o Don L, pensa parecido. "Tem uma vida toda pela frente, quero a minha parte", diz ele, que se mudou do Ceará para São Paulo.

A busca por levar o som adiante fez Rael, 32, literalmente espalhar músicas pelas ruas. Seu recém-lançado "Diversoficando" pode ser ouvido por dispositivos instalados em paredes paulistanas. "A pessoa pluga o fone e escuta. O plano é expandir isso no ano que vem por muros de todo o país."
O novo cenário tem, ainda, um quê acadêmico, afirma Márcio Santos, 37, o Tchuck, assessor para projetos de hip-hop da Secretaria de Estado da Cultura. "Temos um hip-hop estudado, de pessoas que se graduaram. Eles pesquisam para escrever e produzir."

Ainda assim, o movimento mantém suas raízes nas ruas. "Ao mesmo tempo que o jovem está batalhando [disputando as rimas], ele filma e manda para a internet. Na capital, todo dia tem batalhas", diz Tchuck.

Outra demonstração da força do rap pode ser vista na primeira edição do festival SP RAP, na Praça das Artes (30/11), que reuniu cerca de 15 mil pessoas. "Não teve uma ocorrência, foi amor total", diz Mariana Bergel, diretora-executiva da Boia Fria Produções e idealizadora do evento, programado para se repetir no ano que vem.

"As pessoas que compõem a cena estão se organizando e têm fome de progresso", completa o paulistano Michel Dias Costa, o Rashid, 26. "Temos muito pela frente ainda, não dá para sentar em cima da vantagem."

"Aprender a correr e dar várias voltas significa ter estrutura, ter dinheiro, ter rádio, programa de TV... Concretizar mesmo", dispara KL Jay.

Aos 45 anos recém-completados, o DJ vegetariano que queria ser astronauta vive o hip-hop 24 horas. Discoteca, organiza campeonatos de DJs, faz oficinas e comanda o programa "Estamos Vivos", no site Noisey, em que acompanha nomes do rap atual.

Em março, ele deve lançar o disco "KL Jay na Batida - Volume 2" e afirma que os Racionais não pretendem passar mais tanto tempo sem botar trabalhos novos na rua.

"Ainda é 45 do primeiro tempo!", brinca o DJ. "Ainda tem o segundo. E a prorrogação! Agora é que vai ser bom."

"Agora é que vai estralar, mano!"

(Colaborou ALESSANDRA BALLES)