Mano Brown
Tô Ouvindo Alguém Me Chamar
[Letra de "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar" com Racionais MC's]

[Verso 1: Mano Brown]
(Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você)
Tô ouvindo alguém gritar meu nome
Parece um mano meu, é voz de homem
Eu não consigo ver quem me chama
É tipo a voz do Guina
Não, não, não, o Guina tá em cana
Será? Ouvi dizer que morreu, sei lá
Última vez que eu o vi, eu lembro até que eu não quis ir, ele foi
Parceria forte aqui era nós dois
Louco, louco, louco e como era
Cheirava pra caralho, (vixe) sem miséria
Doido ponta firme
Foi professor no crime
Também maior sangue frio, não dava boi pra ninguém (Hamm...)
Puta aquele mano era foda
Só moto nervosa
Só mina da hora
Só roupa da moda
Deu uma pá de blusa pra mim
Naquela fita na butique do Itaim
Mas sem essa de sermão, mano, eu também quero ser assim
Vida de ladrão, não é tão ruim
Pensei, entrei, no outro assalto pulei, pronto
Aí o Guina deu mó ponto
[Interlúdio]
- Aí é um assalto, todo mundo pro chão, pro chão!
- Aí filho da puta, aqui ninguém tá de brincadeira não!
- Mais eu ofereço o cofre mano, o cofre, o cofre!
- Vamo lá que o bicho vai pegar!

[Verso 2: Mano Brown]
Pela primeira vez vi o sistema aos meu pés
Apavorei, desempenho nota dez
Dinheiro na mão, o cofre já tava aberto
O segurança tentou ser mais esperto, então
Foi defender o patrimônio do playboy, cuzão. (tiros)
Não vai dar mais pra ser super-herói
Se o seguro vai cobrir (hehe), foda-se, e daí?
Huh, O Guina não tinha dó
Se reagir, bum, vira pó
Sinto a garganta ressecada
E a minha vida escorrer pela escada
Mas se eu sair daqui, eu vou mudar

[Refrão]
Eu tô ouvindo alguém me chamar
Eu tô ouvindo alguém me chamar

[Verso 3: Mano Brown]
Tinha um maluco lá na rua de trás
Que tava com moral até demais
Ladrão, ladrão, e dos bons
Especialista em invadir mansão
Comprava brinquedo a reveria
Chamava a molecada e distribuía
Sempre que eu via ele tava só
O cara é gente fina, mas eu sou melhor
Eu aqui na pior, ele tem o que eu quero
Joia escondida e uma 380
Num desbaratino, ele até se crescia
Se pá, ignorava até que eu existia
Tem um brilho na janela, é então
A bola da vez tá vendo televisão
(Psiu... Vamo, vai, entramo)
Guina no portão, eu e mais um mano
(Como é que é, neguinho?)
Humm... Se dirigia a mim, e ria, ria, como se eu não fosse nada
Ria, como fosse ter virada
Estava em jogo, meu nome e atitude (tiros)
Era uma vez Robin Hood
Fulano sangue ruim, caiu de olho aberto
Tipo me olhando, é, me jurando
Eu tava bem de perto e acertei os seis
O Guina foi e deu mais três
Lembro que um dia o Guina me falou
Que não sabia bem o que era amor
Falava quando era criança
Uma mistura de ódio, frustração e dor
De como era humilhante ir pra escola
Usando a roupa dada de esmola
De ter um pai inútil, digno de dó
Mais um bêbado, filho da puta e só
Sempre a mesma merda, todo dia igual
Sem feliz aniversário, Páscoa ou Natal
Longe dos cadernos, bem depois
A primeira mulher e o 22
Prestou vestibular no assalto do busão
Numa agência bancária se formou ladrão
Não, não se sente mais inferior
Aí neguinho, agora eu tenho o meu valor
Guina, eu tinha mó admiração, ó
Considerava mais do que meu próprio irmão, ó
Ele tinha um certo dom pra comandar
Tipo, linha de frente em qualquer lugar
Tipo, condição de ocupar um cargo bom e tal
Talvez em uma multinacional
É foda; pensando bem, que desperdício
Aqui na área acontece muito disso
Inteligência e personalidade
Mofando atrás da porra de uma grade
Eu só queria ter moral e mais nada
Mostrar pro meu irmão
Pros cara da quebrada
Uma caranga e uma mina de esquema
Algum dinheiro resolvia o meu problema
O que que eu tô fazendo aqui?
Meu tênis sujo de sangue, aquele cara no chão
Uma criança chorando e eu com um revólver na mão
Ou era um quadro do terror, e eu que fui ao autor
Agora é tarde, eu já não podia mais
Parar com tudo, nem tentar voltar atrás
Mas no fundo, mano, eu sabia
Que essa porra ia zoar minha vida um dia
Me olhei no espelho e não reconheci
Estava enlouquecendo, não podia mais dormir
Preciso ir até o fim
Será que Deus ainda olha pra mim?
Eu sonho toda madrugada
Com criança chorando e alguém dando risada
Não confiava nem na minha própria sombra
Mas segurava a minha onda
Sonhei que uma mulher me falou, eu não sei o lugar
Que um conhecido meu (quem?) ia me matar
Precisava acalmar a adrenalina
Precisava parar com a cocaína
Não tô sentindo meu braço
Nem me mexer da cintura pra baixo
Ninguém na multidão vem me ajudar
Que sede da porra, eu preciso respirar
Cadê meu irmão?
[Refrão]
Eu tô ouvindo alguém me chamar

[Verso 4: Mano Brown]
Nunca mais vi meu irmão
Diz que ele pergunta de mim, não sei não
A gente nunca teve muito a ver
Outra ideia, outro rolê
Os maluco lá do bairro
Já falava de revólver, droga, carro
Pela janela da classe, eu olhava lá fora
A rua me atraía mais do que a escola
Fiz dezessete, tinha que sobreviver
Agora eu era um homem, tinha que correr
No mundão, você vale o que tem
Eu não podia contar com ninguém
Cuzão, fica você com seu sonho de doutor
Quando acordar cê me avisa, morô?
Eu e meu irmão, era como óleo e água
Quando eu saí de casa, trouxe muita mágoa
Isso a mais ou menos seis anos atrás
Porra, mó saudade do meu pai!
Me chamaram pra roubar um posto
Eu tava duro, era mês de agosto
Mais ou menos três e meia, à luz do dia
Tudo fácil demais, só tinha um vigia
Não sei, não deu tempo, eu não vi, ninguém viu
Atiraram na gente, o moleque caiu
Prometi pra mim mesmo, era a última vez
Porra, ele só tinha dezesseis
Não, não, não, tô afim de parar
Mudar de vida, ir pra outro lugar
Um emprego decente, sei lá
Talvez eu volte a estudar
Dormir à noite era difícil pra mim
Medo, pensamento ruim
Ainda ouço gargalhadas, choro e vozes
A noite era longa, mó neurose
Tem uns malucos atrás de mim
Qual que é? Eu nem sei
Diz que o Guina tá em cana e eu que caguetei
Logo quem, logo eu, olha só, ó
Que sempre segurei os B.O
Não, eu não sou bobo, eu sei qual é que é!
Mas eu não tô com esse dinheiro que os cara quer
Maior que o medo, o que eu tinha era decepção
A traíragem, a pilantragem, a traição
Meus aliado, meus mano, meus parceiro
Querendo me matar por dinheiro
Vivi sete anos em vão
Tudo que eu acreditava não tem mais razão, não
Meu sobrinho nasceu
Diz que o rosto dele é parecido com o meu
É, diz, um pivete eu sempre quis
Meu irmão merece ser feliz
Deve estar a essa altura
Bem perto de fazer a formatura
Acho que é Direito, advocacia
Acho que era isso que ele queria
Sinceramente, eu me sinto feliz
Graças a Deus, não fez o que eu fiz
Minha finada mãe, proteja o seu menino
O Diabo agora guia o meu destino
Se o Júri for generoso comigo
Quinze anos pra cada latrocínio
Sem dinheiro pra me defender
Homem morto, cagueta, sem ser
Que se foda, deixa acontecer
Não há mais nada a fazer
Essa noite eu resolvi sair
Tava calor demais, não dava pra dormir
Ia levar meu canhão, sei lá, decidi que não
É rapidinho, não tem precisão
Muita criança, pouco carro, vou tomar um ar
Acabou meu cigarro, vou até o bar
(E aí, como é que é, e aquela lá ó?)
Tô devagar, tô devagar
Tem uns baratos que não dá pra perceber
Que tem mó valor e você não vê
Uma pá de árvore na praça, as crianças na rua
O vento fresco na cara, as estrela, a lua
Dez minutos atrás, foi como uma premonição
Dois moleque caminharam em minha direção
Não vou correr, eu sei do que se trata
Se é isso que eles querem
Então vem, me mata
Disse algum barato pra mim que eu não escutei
Eu conhecia aquela arma, é do Guina, eu sei
Uma 380 prateada, que eu mesmo dei
Um moleque novato com a cara assustada
(Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você!)
Mas depois do quarto tiro eu não vi mais nada
Sinto a roupa grudada no corpo
Eu quero viver, não posso estar morto
Mas se eu sair daqui eu vou mudar
Eu tô ouvindo alguém me chamar