Mano Brown
Homem na Estrada
[Verso 1: Mano Brown]
Um homem na estrada recomeça sua vida
Sua finalidade: a sua liberdade
Que foi perdida, subtraída
E quer provar a si mesmo que realmente mudou
Que se recuperou
E quer viver em paz
Não olhar para trás
Dizer ao crime: nunca mais
Pois sua infância não foi um mar de rosas, não
Na FEBEM, lembranças dolorosas, então
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Muitos morreram, sim, sonhando alto assim
Me digam quem é feliz
Quem não se desespera
Vendo nascer seu filho no berço da miséria?
Um lugar onde só tinham como atração
O bar, e o candomblé pra se tomar a benção
Esse é o palco da história que por mim será contada
Um homem na estrada

[Verso 2: Mano Brown (Edi Rock)]
Equilibrado num barranco incômodo, mal acabado e sujo
Porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio
Um cheiro horrível de esgoto no quintal
Por cima ou por baixo, se chover será fatal
Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou
Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou
Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas
Logo depois esqueceram, filho da puta
Acharam uma mina morta e estuprada
Deviam estar com muita raiva (mano, quanta paulada!)
Estava irreconhecível, o rosto desfigurado
Deu meia noite e o corpo ainda estava lá
Coberto com lençol, ressecado pelo sol
Jogado, o IML estava só dez horas atrasado
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Quero que meu filho nem se lembre daqui
Tenha uma vida segura
Não quero que ele cresça
Com um oitão na cintura e uma PT na cabeça
E o resto da madrugada sem dormir
Ele pensa o que fazer para sair
Dessa situação, desempregado então
Com má reputação, viveu na detenção, ninguém confia não
E a vida desse homem para sempre foi danificada
Um homem na estrada
[Verso 3: Mano Brown]
Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual
Calor insuportável, 28 graus
Faltou água, já é rotina, monotonia
Não tem prazo pra voltar, hã, já fazem cinco dias
São dez horas, a rua está agitada
Uma ambulância foi chamada com extrema urgência
Loucura, violência exagerada
Estourou a própria mãe, estava embriagado
Mas bem antes da ressaca ele foi julgado
Arrastado pela rua o pobre do elemento
Inevitável linchamento, imaginem só
Ele ficou bem feio, não tiveram dó
Os ricos fazem campanha contra as drogas
E falam sobre o poder destrutivo delas
Por outro lado promovem e ganham muito dinheiro
Com o álcool que é vendido na favela
Empapuçado ele sai, vai dar um rolê
Não acredita no que vê, não daquela maneira
Crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo
Seu café da manhã na lateral da feira
Molecada sem futuro, eu já consigo ver
Só vão na escola pra comer, apenas nada mais
Como é que vão aprender sem incentivo de alguém
Sem orgulho e sem respeito, sem saúde e sem paz
Um mano meu tava ganhando um dinheiro
Tinha comprado um carro, até ROLEX tinha
Foi fuzilado a queima roupa no colégio
Abastecendo a playboyzada de farinha
Ficou famoso, virou notícia
Rendeu dinheiro aos jornais, hum, cartaz à polícia
Vinte anos de idade, alcançou os primeiros lugares
Superstar do "Notícias Populares"
Uma semana depois chegou o crack
Gente rica por trás, diretoria
Aqui, periferia, miséria de sobra
Um salário por dia garante a mão-de-obra
A clientela tem grana e compra bem
Tudo em casa, costa quente de sócio
A playboyzada muito louca até os ossos
Vender droga por aqui, grande negócio
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico enfim
Quero um futuro melhor, não quero morrer assim
Num necrotério qualquer, como indigente, sem nome e sem nada
Um homem na estrada
[Verso 4: Mano Brown]
Assaltos na redondeza levantaram suspeitas
Logo acusaram a favela para variar
E o boato que corre é que esse homem está
Com o seu nome lá na lista dos suspeitos
Pregada na parede do bar
A noite chega e o clima estranho no ar
E ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranquilamente
Mas na calada, caguetaram seus antecedentes
Como se fosse uma doença incurável, no seu braço a tatuagem: DVC, uma passagem , 157 na lei
No seu lado não tem mais ninguém
A Justiça Criminal é implacável
Tiram sua liberdade, família e moral
Mesmo longe do sistema carcerário
Te chamarão para sempre de ex-presidiário
Não confio na polícia, raça do caralho
Se eles me acham baleado na calçada
Chutam minha cara e cospem em mim, é
Eu sangraria até a morte, já era, um abraço
Por isso a minha segurança eu mesmo faço
É madrugada, parece estar tudo normal
Mas esse homem desperta, pressentindo o mal
Muito cachorro latindo, ele acorda ouvindo
Barulho de carro e passos no quintal
A vizinhança está calada e insegura
Premeditando o final que já conhecem bem
Na madrugada da favela não existem leis
Talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez
Vão invadir o seu barraco, "É a polícia!"
Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia
Filhos da puta, comedores de carniça
Já deram minha sentença e eu nem tava na treta
Não são poucos e já vieram muito loucos
Matar na crocodilagem, não vão perder viagem
Quinze caras lá fora, diversos calibres
E eu apenas com uma "treze tiros" automática
Sou eu mesmo e eu, meu Deus e o meu Orixá
No primeiro barulho, eu vou atirar
Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém
É o que eles querem: mais um pretinho na FEBEM
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim
A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim, minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada (bang bang bang)
[Locutor]
"Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado morto na estrada do M'Boi Mirim sem número. Tudo indica ter sido acerto de contas entre quadrilhas rivais, segundo a polícia, a vítima tinha vasta ficha criminal."