Amália Rodrigues
Para quê chorar?
[Narração: David Mourão-Ferreira, Vinícius de Morais & Natália Correia ]
E a noite está quase no fim
E o amanhacer
Estou a lembrar-me, vinicius, naquele samba em que falas de cada novo amanhecer
Um saba chamado "P'ra quê chorar, não é?"
Mas a história deste Samba é curiosa
Eu quero contar ao David porque ele vai apreciar particularmente isso
Eu estava numa clinica
Chamada clínica de S. Vicente
Onde eu todo o ano me interno para me desintoxicar e tal
P'ra botar o figado em ordem
E aí de madrugada
O [?]
[?] pau a música dele
Começo a trabalhar no samba né
Seria quê umas 2 3 horas da manhã
E aí eu tava trabalhando
Fazendo o samba né
Ai começo a escutar um chorinho, sabe um chorinho
Parecia um choro de velhinha sabe
Aquele choro manso, sabe
Então eu saí do meu quarto
Fui ao quarto ao lado
E estava uma porta entreaberta
E estava um velhinho morrendo sabe?
Mas uma [?] sabe?
O velhinho devia ter 80 anos
E uma pessoa velinha de volta a ver as suas irmãs talvez
Aquela morte humilde né? tranquila
Aí eu voltei para o meu quarto
E entrei naquela fossa
Não vou fazer o meu samba né
Respeitar a morte desse velhinho, né?
Mas o samba era mais forte que a morte que o velhinho, compreende?
Hu mau
É, aí eu escrevi o samba todo
Então aconteceu uma coincidência maravilhosa né
É que quando acabei o samba o velhinho morreu, né?
Pararam aqueles chorinhos, sabe?
Aqueles choros daquelas velhinhas
E ao sair do meu quarto fui lá
O velhinho tinha morrido
Estavam aquelas velhinhas todas ajoelhadas
Aí me deu uma especie de uma paz assim, compreende?
Parecia-
Ainda que não fui eu
Parecia que cada um tinha feito o seu dever
Sabe
Mas foi uma coisa muito linda [?]
Principalmente para o velhinho
O velhinho tranquilizou, né?
[?]
Então vamos ouvir agora o samba?
E o samba diz o contrário exatamente de tudo
É um samba afirmativo, né?
Ah é
[Verso 1: Vinícius de Morais]
Pra quê chorar
Se o sol já vai raiar
Se o dia vai amanhecer
Pra que sofrer
Se a lua vai nascer
É só o sol se pôr
Pra que chorar
Se existe amor
A questão é só de dar
A questão é só de dor

[Verso 2: Vinícius de Morais]
Quem não chorou
Quem não se lastimou
Não pode nunca mais dizer
Pra que chorar
Pra que sofrer
Se há sempre um novo amor
Em cada amanhecer
Cada novo amanhecer
Cada novo amanhecer