Amália Rodrigues
À Janela do Meu Peito
Lá vai brincando, pela mão de uma quimera
Essa garota que fui eu, sempre a sorrir
Como se a vida fosse eterna primavera
E não houvesse dores no mundo p’ra sentir

As gargalhadas vêm pousar na janela
E ao ouvi-las tenho mais pena de mim
Ai quem me dera rir ainda como ela
Mas quando rio, eu já não sei rir assim

Tenho a janela do peito
Aberta para o passado
Todo feito de fadistas e de fado

Espreita a alma na janela
Vai o passado a passar
E ao ver-se nela, a alma fica a chorar

Lá vem gingando nesse seu passo miúdo
Melena preta, calça justa afiambrada
Como mudamos, tu que foste para mim tudo
Hoje a meus olhos pouco mais és do que nada

Tuas chalaças de graçola e ironia
Eram da rua, andavam de boca em boca
Eu, era ver-te não sei o que sentia
Talvez loucura, que por ti andava louca
Tenho a janela do peito
Aberta para o passado
Todo feito de fadistas e de fado

Espreita a alma na janela
Vai o passado a passar
E ao ver-se nela, a alma fica a chorar

Desilusões as que tive
Enchem a rua, lá estão
E a gente vive dos tempos que já lá vão