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Racionais MC’s falam sobre o disco Cores & Valores
Exclusivo: Racionais MC's falam sobre o disco Cores & Valores e revelam planos para um novo lançamento
Por Luciana RabassalloDoze anos após Nada Como um Dia Após o Outro Dia chegar às lojas, os Racionais MC’s lançaram, no mês de novembro, o oitavo álbum de estúdio da carreira deles. Cores & Valores, que é composto por 15 faixas e tem aproximadamente 35 minutos de duração, está à venda, com exclusividade, na loja digital Google Play por R$ 9,99.

O trabalho, que marca os 25 anos de estrada do grupo mais emblemático do rap nacional, formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, é, na verdade, um grande desafio para os músicos. Nos últimos anos, alguns membros dos Racionais têm sido criticados por participações solo em programas populares de televisão e, também, por um posicionamento menos radical em relação à mídia. Além disso, algumas apresentações do coletivo em boates frequentadas por jovens da elite paulistana foram repudiadas por fãs conservadores do movimento hip-hop.

Nos 12 anos que separam Nada Como um Dia Após o Outro Dia de Cores & Valores, grandes mudanças ocorreram no país. Na música, a nova geração do rap, encabeçada por nomes como Criolo e Emicida, saiu das batalhas da Santa Cruz e da Rinha dos MC's rumo ao mainstream. O hip-hop deixou de ser, exclusivamente, a música de protesto produzida na periferia e passou a falar (também) sobre relacionamentos amorosos, amizade e festas. Na área econômica, o crescimento do Brasil deu aos menos favorecidos um poder de compra maior e facilitou o acesso à cultura.

"Eu Compro" é o retrato claro da evolução econômica no país: "Eu quero/ Eu compro / E sem desconto / À vista / Mesmo podendo pagar / Podem ter a certeza de que vão desconfiar".Essas mudanças, entre muitas outras, estão diretamente refletidas em Cores & Valores. Na sonoridade das batidas, o disco acompanha a tendência mundial da trap e da bass music – usando e abusando dos graves, viradas e efeitos. O termo trap, que surgiu em Atlanta, nos Estados Unidos, em meados dos anos 2000, vem do trap rap, um derivado do dirty south, estilo de hip-hop que domina todo o sul norte-americano com nomes como GucciMane, T.I. e Waka Flocka. Nas letras, a renovação da sonoridade fica ainda mais clara.

“Eu gosto de fazer música sobre o momento que estou vivendo”, é assim que Mano Brown explica a nova fase do grupo. Em entrevista ao blog Cultura de Rua, espaço dedicado ao hip-hop no site da revista Rolling Stone Brasil, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue e Brown falaram sobre o processo de criação e a repercussão de Cores & Valores, o momento que o grupo Racionais MC’s atravessa e a possibilidade de um novo disco sair em breve. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Vocês ficaram 12 anos sem lançar um disco de inéditas. O quanto esse hiato interferiu no processo de criação de Cores & Valores?
Mano Brown - Algumas músicas começaram a ser feitas em 2010 e outras nós fizemos agora. Todas as faixas do disco estão interligadas, mas nós estamos trabalhando nelas há um bom tempo. Em 2014, nós só fizemos umas três ou quatro.

KL Jay - Os beats são um trabalho em conjunto. Nós quatro fizemos alguns e o CIA fez outros. Na verdade, o disco tem batidas de vários produtores. Resolvemos diversificar e abrir o leque.

Como surgiu o tema Cores e Valores?
Mano Brown - Essa temática é uma ideia que estamos trabalhando há algum tempo. Nós tínhamos mais de 30 faixas, mas selecionamos apenas as que se enquadram nesse contexto. Então, chegamos ao resultado final: são 15 canções que, ao longo de 35 minutos, conversam entre si. O tempo de duração do disco é proposital.

A intenção é mesmo soar como uma mixtape?
Mano Brown - A questão da transitoriedade das faixas foi completamente proposital. Na verdade, esse não é um disco definitivo de carreira. Se você notar, ele termina com uma brecha para uma continuação. O álbum não acaba ali. Ele só pavimenta o caminho para uma nova estrada. Para mim o que vale é ser contemporâneo. É viver um momento e fazer uma música que represente aquele determinado momento. Esse disco representa a fase que estamos vivendo hoje.

E qual é a fase que os Racionais MC’s estão vivendo hoje?
Edi Rock - Hoje, o nosso momento são cores e valores. Isso quer dizer que é um momento de reflexão. É um momento de questionar valores.

O quanto essa nova fase do grupo pode influenciar as novas gerações de rappers?
Edi Rock - A nova geração está no caminho certo. Estão aprendendo a trabalhar com organização.
KL Jay - Acho que o hip-hop no Brasil aprendeu a andar. Antes nós estávamos engatinhando e, agora, estamos andando. O próximo passo é aprender a correr e dar uma volta nos que ficaram para trás.

Como vocês enxergam o legado e a influência que tiveram para o movimento hip-hop no Brasil? Vocês se sentem, em partes, responsáveis por essa evolução?
Mano Brown - Os Racionais MC’S, modéstia parte, foi o grupo que mais cedeu espaço, palco e várias outras condições para a maioria dos nomes da nossa geração e também para uma grande parcela dos novos artistas. Tudo isso através do trabalho do KL Jay e do Edi Rock na zona Norte. Eu e o Blue também fazemos a nossa parte na zona Sul. Cada um ajuda o movimento como pode.

Essa ajuda é uma filosofia de vida para vocês?
Mano Brown - Para nós isso é uma missão.

Edi Rock - É uma missão natural. Não fazemos por obrigação.

Mano Brown - Para aumentar uma corrente sempre é necessário acrescentar mais um elo. Cada artista de rap tem que trazer um nome novo nomes. Os Racionais já apresentaram ao público mais de 30 novos artistas. Nós fazemos isso com grande prazer e satisfação.

Isso tudo envolve uma grande responsabilidade, não? Faz com que os Racionais sejam vistos como mitos?
Mano Brown - Esse lance de ser considerado mito não é legal para nenhuma banda. O que nós queremos é continuar fazendo o nosso som e interagindo com as novas gerações.

Essa interação está refletida na sonoridade de Cores & Valores?
Edi Rock - Eu acho que o nosso som é acessível para qualquer público. Não é necessário viver a realidade que estão nas nossas letras, basta apenas sentir e entender. Acredito que a nossa mensagem está chegando até as pessoas. Talvez alguns demorem um pouco mais para entender essa nossa nova fase e digerir o disco. Isso é uma coisa normal.

KL Jay - Nós fazemos coisas para o mundo e cada um interpreta isso de maneira particular.
Mano Brown - Não existe uma regra para o sucesso ou para compor. O que a gente precisa é sempre se adaptar ao novo momento. Eu já tive épocas de fazer a minha parte do disco todo sozinho. Eu fazia a letra e a batida. Atualmente, eu prefiro estar cercado de vários produtores e vários compositores. Hoje é isso que me deixa mais satisfeito. Eu considero isso uma evolução.

Vocês acompanharam a repercussão de Cores & Valores na internet na semana em que o disco foi lançado?
Mano Brown - Quando um disco como esse chega à internet, as pessoas ouvem as faixas aleatoriamente. Mas o Cores & Valores foi montado para ser um álbum continuo, que segue uma ordem cronológica. Então, quem pegou o áudio na internet não entendeu absolutamente nada. As pessoas acharam as faixas curtas demais, mas elas têm um proposito. São transições. Alguns ouviram as músicas em ordem aleatória. Isso fez com que a mensagem ficasse um pouco confusa. O disco, para mim, como ouvinte e consumidor de música, não é tão curto quanto parece. Ele acaba no momento exato para haver uma continuidade.

Edi Rock - A verdade é que o intervalo entre um disco e outro vai diminuir. Não vamos ficar tanto tempo sem lançar coisas inéditas. Não temos um prazo exato, mas isso pode acontecer entre três meses e um ano.
Mano Brown - A ideia é mesmo fazer outro disco. Não precisa, necessariamente, ser uma continuação deste. Mas nós temos muitas músicas e algumas coisas engatilhadas.

Mais sobre Cores & Valores
Nas letras de Cores & Valores, a renovação da sonoridade fica ainda mais clara. Apesar de ter faixas como “A Escolha Que Eu Fiz”, que retrata a prisão de um assaltante, e “Eu Te Disse”, que retrata a periferia, o disco abandona o discurso extremamente político e dá espaço para canções como “Eu Te Proponho”, uma balada romântica, e “A Praça”, um relato sobre a confusão que aconteceu durante um show dos Racionais na Virada Cultura em 2007.

A “batalha” foi a responsável por tirar os artistas de rap da programação do evento, que acontece anualmente na cidade de São Paulo, por seis (intermináveis) anos. A situação só foi revertida em 2013, quando os Racionais voltaram a se apresentar na Virada Cultural, com um show que reuniu cerca de 100 mil pessoas e foi marcado pela paz. Em 2014, a volta do RZO e um palco dedicado exclusivamente ao hip-hop sacramentaram o gênero como um dos elementos mais representativos do evento.

A introdução do pandeiro em “Quanto Vale o Show?” é uma deixa da pegada mais “pop” do disco. Com produção de Mano Brown e de DJ Cia, do grupo RZO, Brown rima sobre a adolescência difícil nas ruas do bairro do Capão Redondo, em São Paulo, e também sobre o começo da carreira do grupo, enquanto a batida conta com um riff de guitarra rasgado e com o sample de “Gonna Fly Now”, do músico Bill Conti, tema da saga cinematográfica Rocky.

Outro destaque é “Cores & Valores – Finado Neguin”. Na canção, Mano Brown relembra o grande amigo dele, Emerson Neguin, que morreu em 2002, vítima de um acidente de moto. O “brother” de Brown foi o responsável por escolher as cores laranja e preto para representar a Vila Fundão, bairro do Capão Redondo, em que o rapper nasceu, cresceu e vive até hoje. O “uniforme” coloriu os shows dos Racionais durante a turnê de 25 anos e também está na foto que ilustra o encarte de Cores & Valores.

Na imagem, os quatro integrantes aparecem vestidos com roupas laranjas – usadas por garis e coletores de lixo na cidade de São Paulo – e com os rostos cobertos por máscaras do personagem Jason, da franquia Sexta-feira 13. O ensaio foi clicado em frente à agência bancária do Edifício Copan, um dos clássicos da arquitetura de São Paulo, localizado no centro da cidade.

O show de lançamento de Cores & Valores, que foi gravado no Maraca Estúdio, no Capão Redondo, e mixado no Quad Recording Studios, em Nova York, nos Estados Unidos, local em que já gravaram nomes como Shabba Ranks, Busta Rhymes, Whitney Houston e Alicia Keys, acontece no dia 20 de dezembro, nos Espaços das Américas, em São Paulo. Os ingressos estão à venda no site Ticket 360 e custam R$ 120 (R$ 60 - meia-entrada).