Chico Buarque
Opereta do Casamento
Nem assaz alhures e antanho
Era um evento tamanho
A sagração nupcial
Vinha a noiva de gargantilha
Caçoleta e rendilha
Diadema e torçal
Mas se houvesse algum embaraço
Dera a moça um mau passo
Quanto horror e desdém
Ela ia parar no convento
Ia dormir ao relento
Ou deitar nos trilhos do trem
Do pudor da noiva a bandeira
Após a noite primeira
Desfraldava-se ao sol
A sua virtude escarlate
Igual brasão de tomate
Enobrecendo o lençol
Mas se não houvesse tal mancha
É que outra mancha mais ancha
Se ocultava por trás
E o rapaz pagava o malogro
Com a vendeta do sogro
Ou com a malícia dos mortais
"Oh meu pai, oh meu pai, por favor
Condenai o nosso amor
De langor e luxúria!
Mas poupai, oh meu pai
Nosso filho
Da fúria do Senhor!"
O guri nasceu apressado
Nem um mês de casado
Tinha quem o gerou
Quando o pai caiu nos infernos
Foi nos braços maternos
Que ele se pendurou
Quando a mãe caiu na sarjeta
Foi seguindo a opereta
Na garupa do avô
Quando o avô caiu do cavalo
Foi chorar no intervalo
E mais um ato começou
Palhaço, corista
Trapézio, dançarina
Maestro, cortina
É fé na flauta e pé na pista