A beleza contida na voz de Tássia Reis dos Santos, assim como sua atitude irreverente frente à representatividade negra, passou a ser comentadas antes mesmo do lançamento de seu primeiro EP, Tássia Reis, em 2014. Há uma linha tênue entre vivência e superação, que notavelmente são discutidas nas letras de suas canções.I. Solar como a primavera
Uma infância de violência e pobreza é sempre relatado nas letras de rap. Superar os 20 anos já chegou a ser celebrado. Porém nem tudo é desgraça. Tássia teve seus problemas, mas lembra de toda diversão e descobertas da juventude com carinho e até saudosismo. Hoje, já nas rédeas de sua vida, adulta, com carreira artística, ela nota o quão aquilo foi fundamental para ela, essa sua fase da vida, e agora mira pontos altos em sua trajetória. Relembrar o passado é também construir o futuro, e nada melhor de que seja de experiências agradáveis.II. Calma PretaEu tô aprendendo a me dar com a paciência
Sendo submetida a um teste de sobrevivência
Tássia Reis disse em uma entrevista que, apesar de seu pai trabalhar a aceitação de sua cor na família, era muito difícil para ela lidar com os bombardeios de piadas e comentários racistas por seus colegas de escola. Com isso, vê-se uma vivência ainda comum na vida de meninas negras, que demoram muito a perceber o real motivo de serem tratadas com indiferença por seus colegas de escolas ou funcionários, e, sobretudo de se acharem lindas, sem ter que se encaixar em qualquer padrão de beleza. O racismo presente neste espaço, vai se expandindo à medida que um colega de sala não te aceita em um grupo só por você ser negra, nunca ser indicada a algum concurso de beleza escolar, ser a garota sem companhia nas festas, ser tratada com desdém por professores, entre outras coisas. Para Tássia, o que a salvou foi o acesso que teve a cultura HipHop por meio da dança, bem como as suas referências dentro e fora de casa.III. Tássia é rap e jazz. E soul, r&b, samba, pop
De início, sua atividade artística era a dança. Surgiu a curiosidade da escrita, poemas, que junto com o ambiente musical que convivia, vieram a se tornar composições. Ali a música negra imperava. As influências de Tássia vieram de nomes como James Brown, Ray Charles, Clara Nunes e, principalmente, Lauryn Hill, a quem ela atribui mais do que sua música. Não só visitar os que consagraram a música negra, perpetuar isso é um laço importante em sua obra. Outras cantoras também tem seu mérito, mostram como há uma gama cultural na música que conecta esses pontos, de ritmos e lírica, também atitude. As portas de descobertas se abrem para a musicalidade de Tássia. Canta, rima, fala da infância, de amor, e também frustrações, fala da cor, de gênero. Com o peso de tantos que a inspiraram e ajudaram a formá-la como artista, sua música é jazz, soul, rap, r&b, samba, MPB e claro, rap.IV. Coletivo Salada de Frutas
Apesar da voz doce, as questões sociais discutidas nas músicas de Tássia exercem um papel forte, cru, capaz de mesclar muitas vivências. É notável a irreverência dela frente à estes assuntos, uma vez que sem "papas na língua", Tássia põe verdades em suas letras, que são símbolos de luta. Com isso, surgiu a necessidade de se juntar com outros artistas pertencentes à uma dessas vivências, para expandir gritos contra o racismo, machismo, a homofobia, a transfobia, entre outros. O empoderado coletivo Salada de Frutas é formado pela rapper, Liniker e pelo grupo As Bahias e a Cozinha Mineira -cujas cantoras, Assucena Assucena e Raquel Virgínia, são transexuais.Sou mulher e sou negra. Como minha principal expressão é a música, não tenho como não falar sobre isso", Tássia Reis.V. A ascensão do EP, gera Outra Esfera
Apesar de ter se formado no curso de Tecnologia em Design de Moda, Tássia escrevia poesias e crônicas que naturalmente continham ritmo, mas que ficavam guardadas. Brincando com improvisos e freestyle, Tássia começou sendo convidada pelo rapper AXL no disco "Quando É Preciso Voltar" (2011), para fazer refrões. A partir disso surgiram vários outros convites, agregando mais visibilidade para ela e coragem para libertar os poemas escondidos na gaveta. Em 2014, nasceu o EP homônimo, com sete faixas (sete produções diferentes), carregado da suavidade de sua voz, bem como letras fortes com lembranças de sua infância e do cotidiano. Nestes dois anos, sem descanso, veio uma notícia que deixou aos fãs em êxtase: Um disco. Foram muitos mistérios até ser divulgada a capa bombástica de "Outra Esfera", assinada por Domitila de Paulo. O disco também contém sete faixas e foi dirigido por Diamantee, a primeira faixa foi produzida por ele sozinho, mas no disco há contribuição de Grou, já conhecido na cena do rap nacional, que juntamente com Diaz assinou boa parte das músicas. Há uma participação especial da MC Stefanie, por quem Tássia Reis nutre uma profunda admiração. Vem tombamento por aí, quer queira, quer não, doa a quem doer.