Genius Brasil
Cena 2K19
CENA 2K19 - Algumas reflexões sobre o festival

No Sambódromo de São Paulo, reunindo grandes nomes do Hip Hop nacional e internacional e um público esperado de 16 mil pessoas. A primeira edição do festival Cena 2k19, que aconteceu no último sábado (30/11), deve ficar marcada na história e o Genius Brasil esteve lá presente. O texto a seguir não dará conta de todos detalhes das mais de doze horas de evento, mas se propõe a algumas reflexões sobre o que foi experienciado e até arrisca um palpite para o futuro.
1. O line upCom mais de 30 atrações musicais confirmadas, o line up mesclava figuras históricas do rap nacional como Negra Li e Black Alien com MC’s jovens e em ascensção como Sidoka e Jovem Dex, passando por nomes destaque do cenário como BK e Djonga. Algo que chamava atenção era a presença de todos integrantes da DV Tribo, o coletivo de rap mineiro que ganhou notoriedade após a faixa CYPHER DVERSOS lançada em 2016. Djonga, Clara Lima, FBC e, a hoje dupla, Hot e Oreia parecem ter conseguido algo raro: carreiras solo fortes, sem que a química e harmonia do que são em grupo se perdesse. Aliás, essa coletividade foi um dos acertos do festival, a maioria dos shows contava com participações, algumas já previstas e outras totalmente de surpresa. Sidoka chamou o AKA Rasta em “É só uma amiga”, FBC convidou Matheus Queiroz em “IPHONE”, BK convidou Febem na energética “Esse é meu estilo”, Negra Li convidou Helião para cantarem o clássico de Sabotage “O rap é compromisso”. Ouvi uma pessoa dizendo que quem não conhece nenhuma música dos artistas, não deveria ter ido ao festival. Absurdo. Quer oportunidade melhor pra ter seu primeiro contato com esse bocado de gente talentosa de uma vez?
2. A dimensão política no festivalFilipe Ret pedindo paz e Negra Li a igualdade. Djonga e a plateia vaiando o atual presidente. Tais movimentações trouxeram ao festival o tom de contestação, ainda que num ambiente celebrativo. Ver o palco durante o show da Clara Lima foi um alento a todas que já se sentiram sem lugar no rap, ali estavam Tasha e Tracie, Bivolt e as DJs Ice Cream Girls. Esse é um dos passos no caminho da representatividade que FBC mencionou durante seu show, onde rechaçou os preconceitos e sugeriu que o Rap Plus Size deveria ter sido convidado para o evento. Foi colocado por ele até o preço dos ingressos do Cena 2k19, como uma forma de segregação, e da importância de se agir para além desses espaços de privilégio. E é engraçado como ao mesmo tempo que ingressos de até R$300 reais foram vendidos, um rapaz que conheci na plateia me contava como seus primos adolescentes do Maranhão são apaixonados por Jovem Dex e Raffa Moreira, “até tiram foto em cima da geladeira”. A presença ali no festival foi restrita e limitada, mas a música não restringe e toca até os mais distantes corações. Djonga, em dado momento, colocou a importância da resistência no movimento hip hop, uma vez que o mesmo não é feito só de “gozolândia”, nas palavras dele, mas também de perseguições e mortes em toda sua história. Trágico como essa fala faria tanto sentido a algo que aconteceria no mesmo dia, em uma favela longe-dali-mas-nem-tanto, onde nove jovens tiveram suas vidas tiradas durante um Baile Funk. O estado de atenção que é pungente no rap, com suas letras que denunciam a violência policial, o racismo e expõe o cotidiano das periferias, infelizmente, não envelhece nunca.
3. Uma tendência para o futuro?Em algum momento da nossa breve história, parece ter sido sugerido que o rap e o trap eram rivais, como um lado a ser escolhido dentro do movimento. Um equívoco. Durante o festival era possível notar como na realidade a coisa é mais fluida e com mais pontos de convergência. Digo isso por conta das narrativas tão similares que perpassam esse subgênero do rap: a prosperidade, o melhorar de vida, o correr pelo certo. Em várias apresentações os MC’s jogavam esse bote salva-vidas a quem estivesse precisando: Sidoka, antes de cantar “Não me sinto mal mais” nos convidou a deixar a fase difícil no passado; FBC e o público entoavam a plenos pulmões “acredite sempre em você”; Jovem Dex “passando mais uma marcha” se referia a superação de obstáculos e Orochi agradecia pela oportunidade da vida e via isso como missão. E é esse otimismo que gostaria de me lembrar do festival e de terminar esse texto. Otimismo de um público disposto e animado com o novo, com as pessoas da plateia que fugiam dos padrões, da maior participação de mulheres nos palcos, de artistas que reivindicam política em seus shows e também expõem vulnerabilidades. Fico pensando se isso não é uma fagulha do amanhã diferente. Será?