"Eu quero surpreender as pessoas com minhas ideias diferentes dentro desse mundo musical"
Foto: Reprodução/ DivulgaçãoQuem curte o gênero funk muito provavelmente já ouviu falar em FP do Trem Bala. O DJ e produtor natural da Bahia se mudou ainda jovem para o Rio de Janeiro e foi o disseminador do “ritmo louco” (nome precursor do funk 150 BPM). Antes da pandemia, rodava todo o Brasil com uma agenda de shows lotada e hits como "Vamos pra Gaiola", com Kevin o Chris, e "Foi Até Bom Te Encontrar", com MC Niel, na bagagem.
Entretanto, o ano de 2020 trouxe desagradávеis surpresas e interrompеu as viagens e shows de todos os artistas. E o que para muitos pode ter sido um duro golpe, FP transformou em uma oportunidade para se reinventar. Conhecido pelo trabalho de DJ e produtor, FP surge agora como cantor no EP Brotei Da Favela Pro Mundo. O disco trás uma mistura de funk, rap e trap com foco na música de mensagem e tem como objetivo levar inspiração e esperança para jovens negros da periferia do país.
O projeto é composto por 6 faixas e conta com as participações, de Kerol, MC Tikão e MC Lele JP, além de CH Wallan e Cinquenta. Além disso, o trabalho chega acompanhado de um documentário retratando todo o processo de desenvolvimento do EP.
O artista conversou com o Genius Brasil sobre o projeto, suas influências, a exploração de novos segmentos na carreira artística e a importância de ser um exemplo para sua comunidade. Confira abaixo a entrevista completa.[Genius Brasil] No seu novo EP, de acordo com as duas faixas recém lançadas e com o próprio nome dele, percebe-se a intenção de mostrar um outro lado da vida do FP, que foca mais na sua essência, na sua trajetória e uma visão consciente, trazendo o Felipe antes da fama, até mesmo relembrando a época do seu canal "realidade do morro". A vontade de trazer essa abordagem mais introspectiva e o estímulo disso tem a ver com o momento que estamos passando de maior isolamento social? Ou é uma vontade sua há tempos?
[FP do Trem Bala] Assim, cantar e falar da minha vivência, já era uma parada que eu gostaria de fazer. Tipo, minha história, desde que eu cheguei da Bahia com a minha família, fui morar numa comunidade aqui do Rio, não tinha nem celular pra me comunicar com meus amigos, a maioria das pessoas que me acompanham, não sabem disso, e é de extrema importância as pessoas conhecerem a história por trás do artista. Acho legal o fã olhar, se identificar e pensar: “Pô, quero crescer igual o FP. Se ele conseguiu mesmo com todas as dificuldades, também posso me dedicar e seguir também.” E isso eu falo em qualquer carreira, não só a artística, ta ligado?
[GB] Esse ano tivemos o lançamento do disco do MC Cabelinho, que também apresentou músicas de funk conscientes, que inclusive foi muito bem recebido pela crítica, fãs e outros artistas da música. Seu EP também vem com a mesma abordagem. Qual a importância deste tipo de trabalho para o funk e para as suas comunidades?
[FP] A importância é que fazendo arte com a nossa realidade, os que tão dentro das comunidades tem a chance de sonhar e saber que é possível, entende? E, os que tão de fora, os que não sobem o morro por medo ou por preconceito, têm a oportunidade de ouvir e ver que na favela também tem cultura. Aqui a gente respira cultura, mano. É isso que quero mostrar, tá ligado?
[GB] É marcante nestes novos trabalhos e nos seus videoclipes antigos o bom humor e a dança, principalmente a cultura do passinho. Vemos na primeira parte do documentário de BROTEI a mesma personalidade e a sua visão de, quando mais novo, apesar de estar curtindo os bailes, aproveitar para observar os DJs e garantir as oportunidades para começar a tocar. Qual a importância dos passinhos para construir essa identidade e alcançar o sucesso tão novo?
[FP] Mano, então, os passinhos sempre fizeram parte da minha carreira. Mandar um passinho é normal quando tu tá no baile e escuta aquele batidão que treme tudo, tá ligado? É muito louco porque não tem como ficar parado! Geral dançando, mandando passinho, seja com o corpo todo, os mais tímidos mandam só aqui no ombrinho (risos). Mas é inevitável, mano, tu se envolver com a cultura do funk e não cair na dança! Assim como a rebolada, os passinhos são marca registrada do mundo do funk. E em relação ao sucesso, mano, a gente busca o topo, levar os menos favorecidos sempre pro alto, mas sucesso é uma coisa muito perigosa, prefiro falar que a carreira tá fluindo pra onde Deus quer, tá ligado? E a alegria desde menor é natural também. Sempre felizão nos bailes, com os amigos, em casa. Sempre grato por tudo.
[GB] É inegável que sua carreira no funk é próspera e seu lugar já está marcado nesse ritmo, você fez e tem feito história. Agora com o novo álbum, você vem abordando outros estilos, como o rap e o trap, que também têm de tudo para estourarem. Além desses ramos da música, pensando em projetos futuros, você pretende se aventurar em outros segmentos? Tanto na produção quanto na voz?
[FP] Acho que a vida sem aventura não tem graça. A gente tem que arriscar mesmo pra ver se vai dar certo ou não. Eu gosto muito do novo, gosto de experimentar coisas que nunca vi ninguém fazendo e foi isso que aconteceu com o 150BPM, muitas pessoas não apostaram no ritmo, mas eu arrisquei, trabalhei as batidas e hoje tá aí, pelo Brasil afora e até no exterior. Quem fala do início do BPM acelerado, tá falando de mim também. E em relação as outros ritmos, pretendo fazer várias coisas novas sim, misturar vários ritmos diferentes... A gente é artista, né? Eu quero surpreender as pessoas com minhas ideias diferentes dentro desse mundo musical. Já tenho várias ideias mas isso aí eu conto depois! (risos)
[GB] Após sua ascensão como produtor e DJ de funk, boa parte da sua trajetória na música baseou-se na revelação de novos talentos, tendo vários MCs estourado após gravarem com você. Como foi a transição de DJ para cantor neste processo? E de que maneira foi realizada a escolha das participações nesse projeto?
[FP] Eu sempre gostei de cantar. Na Bahia, eu pegava um microfone velho do meu pai e ficava fingindo que tava cantando pra uma multidão, quando na verdade, a minha vista era um terreno baldio. Só que finalmente chegou minha vez. Esse EP na verdade foi ideia da minha irmã, que é minha empresária também,e eu super topei a ideia de realizar meu sonho neste momento. É arriscado, mas como eu disse, gosto do novo. E to trabalhando com pessoas que super me apoiaram também, que é muito importante. Já as participações foram escolhidas de uma forma muito especial. Todo mundo que ta no EP tem muito talento e de alguma forma eu já admirava. Não escolhi as parcerias por mídia, fiz pra dar oportunidade dos que tão começando crescerem junto comigo. Quero deixar todo mundo fortão.
[GB] No clipe de “Brotei” vemos uma referência à Elza Soares e na letra de “Deixa Levar” uma clara referência ao Zeca Pagodinho. Na primeira parte do documentário BROTEI, você mostra alguns quadros do artista Muito Cria (@allencartes; Vinícius Allencar), que retratam jovens da comunidade, e também revela um pouco da sua relação com a família e comunidade. Como todos eles elementos culturais e pessoais servem de inspiração, tanto no quesito de produção quanto nas rimas?
[FP] A música ‘Deixa Levar’ teve muita referência do que é ser negro, ser de favela, fala que apesar de termos vindo de baixo, a gente vai conseguir alcançar o topo... E o quadro do Muito Cria significa muito pra mim. Sou muito fã dele, o conheço pessoalmente e ter uma arte dele no meu clipe é importante demais. É muito relevante pra gente que é de comunidade ter contato com esse tipo de arte. Porque assim, acho que tudo que a gente vai fazer tem que fazer referências pra outras pessoas aparecerem também e as que estão recebendo, se identificarem, sacou? Ser inspiração e referência pro próximo é necessário e muito importante.