Thiago Elniño
5 Momentos Genius: ”A Rotina do Pombo”, a história contada por Thiago Elniño (Análise)
5 Momentos Genius + Análise de A Rotina do Pombo por Thiago ElniñoA Rotina do Pombo é uma das surpresas de 2017, o álbum de estreia do mineiro Thiago Elniño pode ser colocado com outras ótimas estreias deste ano - Heresia do Djonga e Relicário do Menestrel - e outras promessas deste ano, como Baco Exu do Blues, Sain e Diomedes Chinaski.
Uma das características mais marcantes do projeto é a introspecção de Elniño combinada com a construção de uma história, um personagem mundano que dá o clima de imersão ao ouvinte. A produção do álbum fica por conta de Leando Tolentino, Martché e Guga Valiante e traz muito elementos de música afrobrasileira, porém é muito inspirada no "velho" boom bap. As vinhetas possuem efeitos que colocam o ouvinte nas ruas, as quais o personagem que acompanhamos ao longo do projeto convive.

Aproveitando todos estes elementos, vamos mergulhar um pouco nesta história com os 5 Momentos Genius e por fim apresentaremos a avaliação da equipe do Genius Brasil.I. O storytellingE por falar em dia, o dia já clareou
Vou dormir, não vou trampar, bate meu ponto para mim por favor
E se o patrão pergunta, fala la qualquer parada
Diz que eu quebrei a clavícula ontem numa pelada - em "Bom Dia"Tudo começa na primeira faixa, uma verdadeira saudação. O refrão estabelece o ciclo continuo da vida a qual o personagem esta inserido e que lhe serve de inspiração. A faixa é como ser fosse um diálogo do personagem, o "Pombo", com algum colega de trabalho. Notamos que o personagem possui diversas características e atitudes que muitos ouvintes com certeza irão se identifica, como, no trecho destacado, o "jeitinho brasileiro" para faltar no trabalho. Desta forma, logo de início, percebemos que iremos acompanhar, de alguma forma ao longo do disco, este personagem, ideia ainda mais evidente com o uso das vinhetas que mostram o diálogo com sua consciência.

Este elemento de "contação de história", embora seja o eixo do disco, não é tão explícito no sentido que as faixas mantém sua característica individual. A perspectiva do lugar de onde estas histórias são contadas também muda em diversos momentos. Em "Ubuntu", por exemplo, o primeiro verso é contado como se o personagem ouvisse o guia do terreiro, enquanto que no segundo ouvimos a consciência do personagem refletindo acerca do que aconteceu.II. "Ocupar e resistir"
No disseram que era para desistir, mas preferimos resistir
Por que o ato de existir, para nós é o ato de criar
De matéria prima temos o espaço e o resto
E nossa forma de protesto é nossa forma de amar - em "Não Conforme"A arte em si é vista como uma forma de resistência. Muitos discos e faixas de rap apresentam essa ideia, que inclusive tem sido cada vez mais forte em vista de discussões atuais como representatividade negra, feminina e sexual. Thiago traz esse elemento em diversos momento no disco, como na faixa "Não Conforme". O trecho destacado descreve bem esta característica de suas composições.

Isto também aparece nas participações. Flávio SantoRua discute o consumismo e como ele afeta o pobre em "A Cidade e o Movimento". A faixa "Quem é o Inimigo?" conta com a participação de Tamara Franklin e Rincon Sapiência, que junto com Elniño,
justificam sua arte e a resistência dos pretos e pretas em suas letras. Douglas Din em "Qual é Seu Preço?", fala da perspectiva dos usuários de drogas e os motivos para que os mesmo existam. Assim, neste momento do álbum, somos apresentados as justificativas pelas resistência e as inspirações para muitas das músicas de rap destes artistas - a própria essência que edificou a cultura -, bem como a necessidade de não silenciarmos estas vozes e problemas .III. As mensagens num tom poético reflexivoO filho deles nunca foi bandido não
Só que mano a questão era manter minha honra
Agora é treva e sombra, por que hoje eu
Entendi que só mata quem já morreu
Entendi que só mata quem já morreu
Entendi que só mata quem já morreu - em "A Cidade em Movimento"Muito se fala do rap ter que passar uma mensagem. Também não podemos ignorar o tão comentado "Ano Lírico". Não consigo ignorar estas duas discussões tão efervescentes da cena nacional ouvindo esse disco. Thiago Elniño dá uma verdadeira aula a respeito destes dois aspectos. No trecho destacado de "A Cidade em Movimento", sem apelar para aspectos muito técnicos, referências ou multisilábicas, o MC carioca lança uma mensagem profunda diante de uma situação tão comum aos jovens negros quebradas pelo Brasil, que pela ironia do termo ao qual nos referimos a esse lugar habita indivíduos de fato quebrados pelo sistema.
Isso não acontece apenas nesta faixa, todo o álbum é composto por frases tão marcantes e profundas. O tom poético inclusive é bastante melancólico, afinal o próprio personagem vive esta realidade contada. A própria faixa que encerra o álbum, batizada de "No Fim", traz a solução para muitas destas reflexões o amor, mas não apenas o amor pela acepção da palavra, mas o amor pelo próximo.IV. "Pedagoginga", a faixa do álbumPra mim contaram que o preto não tem vez
E o que que o Hip-Hop fez? Veio e me disse o contrário
A escola sempre reforçou que eu era feio
O Hip-Hop veio e disse: "Tu é bonito pra caralho"

O Hip-Hop me falou de autonomia
Autonomia que a escola nunca me deu
A escola me ensinou a escolher caminhos
Dentro do quadradinho que ela mesmo me prendeu -
em "Pedagoginga"
Essa é aquele tipo de faixa que tem todos os elementos para estar concorrendo entre as melhores faixas do ano. A produção é moderna, com instrumentos bem evidentes, e dita o tom da faixa: uma crítica pesada. Se não bastasse o próprio neologismo que da título a faixa já ser profundo o suficiente para tecermos um texto próprio, Thiago Elniño constrói sua crítica ao sistema de ensino junto ao social de maneira impecável - o destaque fica por conta da declaração ao Hip Hop. O refrão do Kmkz revela de forma indireta o que muitos professores, infelizmente, ignoram no processo de ensino, o contexto e a história dos jovens ali na sala. Por fim, o verso do Sant fala justamente do contexto que muitos jovens crescem e como aquilo pode ser na verdade um ensinamento.
A crítica não fica apenas nesta faixa, em "Condado dos Surdos" Thiago também toca no tema. Além disso, essa declaração ao Hip Hop também é um apelo a representatividade negra, muito presente em diversas músicas escritas ao longo dos anos no rap nacional, e que também aparece em diversas outras faixas deste disco, como em "Trabalhar Sem Comer", a qual inclusive nos lembra dos casos de Claudia, Amarildo, dentre outros para falar do racismo, genocídio do povo preto e truculência da polícia.V. AutocríticaEste quinto momento é mais complicado de explicar, mas talvez com dois trechos eu consiga justificar melhor, inclusive dos trechos destacados são das duas últimas faixas do álbum que se complementam.Às vezes tenho, mano, mó vontade de chorar
Quando to cercado de preto num lugar que não é nosso lugar
Que aqui é terra de índio, e os índio, cade?
Matar eles foi a melhor forma de esconder - em "Carnaval no Centro"Na penúltima faixa, o refrão poético esconde a ideia melancólica da faixa. Descrevendo diversas situações que parecem ser observadas em um carnaval pelo personagem no disco, Thiago compõe a conclusão triste: os negros, maioria no país, na verdade ocupam o lugar que deveria pertencer aos índios praticamente dizimados e mal lembrados. A consciência reforça que somos parte de um todo e o que é necessário é o amor. Esta ideia se conecta diretamente com a faixa seguinte.
No fim, não se assuste não
Ser extinto também faz parte do processo de evolução
De algo que não se prende a existência de uma espécie
Por mais que você não goste é assim que a coisa acontece - em "No Fim"Ser parte de um todo é também pensar que quando chegarmos no fim é o outro que irá continuar a nossa história, uma concepção de evolução na qual o amor pelo o outro é na verdade essencial. Assim, apesar da conclusão triste da faixa anterior, o personagem passa a entender que tudo isso faz parte do processo.

Neste sentido, entendo que existe aí uma autocrítica, pensamos muito naquilo que representamos, defendemos, por exemplo, a cultura negra, o que é extremamente necessária por diversos motivos, mas também esquecemos de amar a cultura do próximo. Isso não quer dizer que devemos nos apropriar do que o outro tem a oferecer e silencia-lo, assim como foi feito com os índios, mas temos que saber qual é o seu espaço, devendo respeitar o que o outro tem a oferecer. Uma mensagem necessária e muito bonita para concluir este belo disco.Diante de um cenário nacional no rap bastante agitado, repleto de lançamentos e expectativas, "A Rotina do Pombo" passou quase que despercebido por muitos ouvintes, uma pena, pois temos aqui um álbum com potencial para ser um dos melhores do ano e um que apresenta um MC que, apesar de falar sobre uma temática na qual tem sido recorrente para muitos artistas, faz com muita originalidade e de uma perspectiva/forma até então muito diferente.Notas da EquipeMembroNotaKleberBriz8,5LKSZZ6,5Pellizzle7ramoshenrique8Igor França7,4
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